O livro das coisas menores

 

Hoje tem O livro das coisas menores (7Letras, 2019), do Antonio Cescatto: Após escrever, e publicar, três narrativas de ficção, Antonio Cescatto apresentou, há dois anos, uma reunião coesa de poemas, todos a respeito do mesmo assunto. Como se flertasse com o título, e apenas o título, de uma obra de Xavier de Maistre (Viagem em volta do meu quarto), o artista curitibano elaborou textos poéticos sobre o que pode ser uma existência, sem excentricidade, dentro de uma casa.

 

A partir de uma linguagem que busca o diálogo com o leitor, (ou seja, a voz poética é compreensível e, mais que isso, exata), o poeta viaja pelo cotidiano e reelabora com precisão e ritmo a luta diária de quem habita, vive e ocupa uma residência.

 

Há poemas para (e a respeito de) roupas sujas, camisas dobradas, lixo orgânico e reciclável, gavetas, talheres, cebolas, fronhas e travesseiros.

 

"A gaveta das meias sem par", como o título sugere, trata de um mistério real: o sumiço, dentro de casa, desse item indispensável para a vida contemporânea.

 

Mas ao invés, por exemplo, de oferecer sugestões ou dicas, cada texto poético é quase uma fotografia, e também investigação (lírica), a respeito de nuances do cotidiano que podem ser ignoradas devido a urgências.

 

Em "A gaveta das meias sem par", a exemplo do que acontece em outros poemas, não há soluções ou indignação, apenas a constatação do fato, e humor: "A gaveta das meias sem par, afinal,/ precisa ser esvaziada, para que/ outras meias sem par possam ocupá-la".

 

"Fenomenologia das cortinas" traz um ponto de vista a respeito daquilo que veda e revela o que pode acontecer dentro, e fora, de uma casa: "O que fica aquém das cortinas é o mistério./ O que fica além é o horizonte perdido./ Mas não existe mistério nem horizonte/ perdido se não houverem as cortinas".

 

O livro das coisas menores é obra de um poeta com o seu tema, a sua linguagem e um humor (visão de mundo, vale ressaltar) inconfundível – a ficção de Antonio Cescatto, como a novela Cloaca (Kafka, 2012), também é contundente, possui qualidades e merece leitura atenta.