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Mostrando postagens de setembro, 2020

De manutenção

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  O futuro, Janaína diz, o futuro são acasos que funcionam, verbos conjugados exemplarmente, futuro é o ainda não, sim do amanhã, teto mesmo que não seja cobertura, mas proteção e o enfrentamento sereno de adversidades, futuro é o que vai, o que pode e também um tanto sei lá. Ela fala essas e outras coisas sóbria e quando bebe nas noites de quinta a sábado, e domingo, madrugadas de nascer segunda.   A semana começa e Janaína flui – secretamente tem a certeza de que o depois traz muito a ser desfrutado, colher lilases e tantos presentes na véspera de cada noite. Acender e tragar vinte ou mais cigarros de tabaco em meio a uma ou duas garrafas de tinto seco argentino sem desgaste para o organismo, uma dieta com papaia, triglicerídeos italianos, o suco de azeitonas da Espanha e canções inglesas do século vinte, sem restrição a overdrives e/ou reverbs.   O futuro é depois e sem alternativa Janaína caminha nesse terreno chamado presente, onde não tem nem faz aquilo que deseja ou gost

Bode careca

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A situação na empresa mudou quando anunciei que iria publicar um livro. Anteriormente a rotina era como deve ser em outros empregos. Dias agradáveis, outros nem tanto, tudo seguindo. E isso por anos — tempo suficiente para eu aprender o momento do alô, quando mostrar os dentes e a hora de calar.   Encher linguiça pode ser interessante. Não tem a ver com a frase do Otto Bismarck, que teria dito que uma pessoa não deve saber como são feitas as salsichas. O chanceler alemão realmente disse algo assim? Difícil acreditar. Alguém atribuiu esse equívoco conceitual a ele. Só pode. Bismarck era inteligente. E o cenário do meu ganha-pão nunca foi repugnante, com gordura e sangue escorrendo por todos os lados.   Passei por duas ou três seções antes de trabalhar no setor onde eram produzidas as linguiças, ou melhor, as salsichas de cachorro-quente. Tudo automatizado e limpo. Eu quase não colocava a mão na massa, no composto, a não ser, com luvas, quando vistoriávamos as vísceras de suínos

Cara de alface

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  Uma mulher passou por aqui, estava tudo limpo, sabe?, tudo, e ela deixou vazar de um pacote areia para gato, que coisa, não é mesmo? Não pediu desculpa, nem falou nada, olhou pra mim, e o olhar dela parecia gritar que eu era a culpada por alguma coisa, por tanto, por muito, por tudo, pode? Fiquei ali, bem quieta, calada, com cara de alface.   Escutei as frases, talvez um parágrafo se fosse para fazer a transcrição, e saí sem entender. Cara de alface? Alface, todos sabem, é a mais insossa das folhas de uma salada. Alface, nem todos têm consciência, mal lavada pode conter parasitas – quanta gente já foi contaminada por meio do vegetal? Alface, nem todos admitem, é o pior item do x-salada, confesse, você sabe disso, alface é o que sobra na mesa se na mesa tem algo além de alface, oh, alface, alface rica em manganês pode prejudicar o funcionamento da tireóide se consumida em excesso, alface que, devido ao seu não gosto, em mais de noventa por cento dos casos impede crianças e adultos

In My Life

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Please Mister Postman

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Talvez

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Retorno

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Poison Heart

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Kátia Talismã

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Vertigo (Passo a passo)

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  Rômulo entra na loja que conserta sapatos. O estabelecimento funciona há meio século e é frequentado por pessoas que, ao invés de comprar produtos novos, trocam a sola ou encomendam conserto. Mas algo deve estar errado. Rômulo não costuma usar esse serviço. Ele é consumidor de sapatos italianos. Quando seus produtos estragam ou gastam devido ao uso, ele compra novos, muitas vezes durante as temporadas que passa no exterior.   Esse personagem, o Rômulo, permanece algumas horas de segunda a sexta em um imóvel de duzentos metros quadrados. Quem passa em frente à casa não desconfia que ali está instalado um escritório que, em alguma medida, mantém o equilíbrio da sociedade. O negócio é sigiloso, envolve diretamente menos de dez pessoas e funciona. Mais que tudo, movimenta dinheiro. E dinheiro é o que define e justifica a presença de Rômulo neste e em outros enredos.   Já o sujeito que está dentro da Sapataria Central se chama Fulano. Ele e Rômulo são parecidos fisicamente, os doi

Deu ruim (vendetta)

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  Já perdeu a chave de casa? Ruim, né? E um voo? Pode ser complicado. Esqueceu a carteira em cima de um balcão? Acontece. Milagre se alguém a devolvesse com todos os cartões e o dinheiro, mas não devolveram. Uma foto sumiu e a primeira edição de um livro do José J. Veiga, ou um da Luci Collin (neste caso com autógrafo), que você emprestou ano passado ninguém sabe onde foi parar. Aquele vinil da sua coleção, um Nei Lisboa raro e o DVD do Jean-Pierre Bekolo também desapareceram. Deu ruim. Mas, sabe, tem coisa pior, bem pior.   Perdi uma coisa.   Pense em algo valioso, inestimável, insubstituível – aquilo que pra você não tem preço, apesar do valor. O seu carro. O apartamento. A grana economizada durante anos. Os vinhos da adega. A boneca inflável, aquelas gramas de pó ou o quase meio quilo de fumo que estavam guardados no armário. O iate, o videogame, uma bike, a casa da praia, o relógio de pulso ou a sua coleção de gravatas.   Imagine algo que, de fato, tem importância.  

Seria

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Diego aceita o convite, que mal tem beber duas, três, quatro, cinco, seis, sete ou mais doses? E como recusar um happy hour com a Thaís, a filha do Ernesto, um dos sujeitos que desde sempre ajuda Diego a realizar tudo o que ele, Diego, realiza? Nem o fato de Thaís estar acompanhada, de quem mesmo?, um novo namorado?, o incomoda. Faz calor, mais de trinta graus, temperatura perfeita para cervejas e conversa, conversa e cervejas que podem alargar qualquer horizonte, programa perfeito para driblar a rotina de uma terça-feira, por que não?   Caminhar ao lado do casal pelas ruas do bairro arborizado é, para Diego, agradável – mais que isso até. A brisa refresca o seu corpo, o lilás deste fim de tarde também faz com que a situação se apresente, para ele, inédita. E tudo fica ainda melhor quando eles entram no bar.   Frederico, o namorado de Thaís, comenta que há um grupo de amigos ali, pede licença e vai até a mesa onde eles estão para cumprimentá-los.   E, sem a presença de Fred