A solidão dos anjos

Hoje tem A solidão dos anjos, do Marco Aurélio Cremasco (Confraria do Vento, 2021): Alguns contos dialogam explicitamente com outras obras e autores. Se "Copistas" é um flerte com episódios da biografia de Franz Kafka, "A República Burlesca" apropria-se de personagens e fragmentos da obra de William Shakespeare para conversar com o contexto político recente do Brasil.

Mas são as narrativas que dissimulam a intertextualidade as que, pelo menos para mim, apresentam toda a potência da ficção de Marco Aurélio Cremasco.

"Céu de Polaca", por exemplo, traz uma solitária condenada a seguir como viúva, apesar dos homens que passam pelo caminho e por sua cama. "Breve História de Deusajude", um dos pontos altos da coletânea, coloca em cena um solitário com estoque de azar, para quem tudo pode e vai dar errado.

"Breve História de Deusajude" e "Céu de Polaca", inclusive "Copistas", indicam um dos temas, talvez a questão que une todos os contos deste livro: a solidão, já anunciada no título da obra.

Cremasco problematiza o assunto não necessariamente com sujeitos isolados socialmente: são solitários em meio ao convívio e estão em tal situação devido à incomunicabilidade e desajustes (ou virtudes?) demasiadamente humanos.

Outro momento de excelência desta obra de Cremasco é a narrativa "A solidão do fracasso" (outra vez o tema central do projeto recente de contos do autor estampado em destaque). Aqui, o solitário é um personagem que escreve (ou deseja escrever?) em meio a vozes, que podem ser a sua própria voz (em permanente autossabotagem) e outras, como a de um editor que com alguma cortesia vai recusar o livro enviado para avaliação:

"Temos até carinho por você, no entanto é mais outro gado de corte. Leite, meu filho, leite. [...] Não interessa se é ou não bem recebido pela crítica ou se é um cara interessante a ser descoberto no século 23. De qualquer forma, agradeço o envio do original e espero ter o prazer em conhecê-lo pessoalmente para um café".

Amanhã, 20 de junho, Marco Cremasco participa com Antonio Cescatto da décima quarta edição de "Às vezes, aos domingos" a partir das 17 horas no Instagram @antoniocescatto. Se puder, participe!

 

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