Pequena enciclopédia de seres comuns

 

Hoje tem Pequena enciclopédia de seres comuns, da Maria Esther Maciel: A narrativa literária pode sugerir um catálogo – cada verbete traz uma ilustração de Julia Panadés.

O leitor também pode ler a descrição de uma ave, inseto ou peixe (com o seu nome científico) e apreciar, se quiser, a descrição como se ela fizesse meramente referência a um peixe, inseto ou ave.

É possível, sim (por que não?), flanar por essa Pequena enciclopédia de seres comuns usufruindo somente uma camada do texto, a que sugere informação.

Mas, e uso o mas involuntariamente, lembro do Wilson Bueno (1949-2010). Ele recriava (com linguagem) amigos, conhecidos e, principalmente, desafetos em personagens-animais, conteúdo que pode ser admirado em Cachorros do Céu (2005).

[Maria Esther Maciel dialoga com o legado do Bueno, mas não só com a literatura do magistral escritor paranaense-universal].

[Maria Esther Maciel também dialoga com o legado de Jorge Luis Borges, especialmente com o artifício borgeano de recriar alterando sutil e profundamente o que também pode, ou poderia, ser a realidade e o passado].

Releio Pequena enciclopédia de seres comuns e abro espaço para uma dúvida que me assombrou na primeira leitura: um verbete, por exemplo, a respeito de uma ave, inseto ou peixe não trata apenas de uma ave, inseto ou peixe, mas, também, de seres humanos.

Maria Esther Maciel apresenta nesta obra recente uma coleção de Marias e Joões (lembro do Dalton Trevisan,  também criador de Joões e Marias, mas a ficção de Maria Esther é radicalmente diferente da proposta de Trevisan, apesar de que ambas literaturas se irmanam pela linguagem precisa, exata e pelo flerte com a poesia).

Sigo em Pequena enciclopédia de seres comuns [ainda não foi mencionado, o livro é lançamento da Todavia], a as Marias e os Joões de Maria Esther Maciel (vale insistir, repetindo), mesmo quando não humanos, possuem sim, sem dúvida, características as mais humanas possíveis.

Então, no capítulo-fragmento III (são IV ao todo, além do ET CETERA), a autora apresenta Viúvas e Viuvinhas, também contemplando aves, insetos ou peixes, todos com características e comportamentos de mulheres e homens, especialmente a Viuvinha-Humana - neste caso Julia Panadés desenhou (ao invés de ave, inseto ou peixe) a Maria Esther Maciel.

Vale transcrever todo o verbete:

"Ela está triste, mas não é triste. O desamparo que lhe é atribuído por outros humanos não existe senão como uma saudade doída do que foi irreversivelmente perdido. De resto, persiste e se mantém altiva. 'Contra a solidão, ouvir Bach é um antídoto', uma já me disse, ao sair do luto. Outra, menos afeita às coisas líricas, me contou que o trabalho foi sua forma de recusa ao tédio inapelável dos dias. Sei, ainda, daquela que (para conter a melancolia) se rendeu às vertigens da escrita. Cada uma com seu recato. Ou sua malícia".

É multiplicidade, invenção, ambiguidade, com ritmo, melodia, ironia, e bossa - o Cavalo-Marinho é apresentado como "peixe equívoco".

Pequena enciclopédia de seres comuns é mistério, jogo, surpresa e sugestão de releitura (para outras, tantas, [re]descobertas).

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