Retorno
O pé direito se move, o
esquerdo também, o direito avança, em seguida o esquerdo, o asfalto irregular
fica ali, há segundos, já estou em outro fragmento desta via, agora
sem buracos, e continuo a me mover cada vez com mais velocidade.
Centenas, milhares de casas,
uma ao lado da outra, sobre, embaixo, casa dentro de casa no bairro
dez quilômetros distante do centro, de onde se vê ao longe, observo
daqui, prédios em que apartamentos estão ao lado, abaixo e acima de
outros apartamentos.
Há uma
reta onde estou, com vegetação rasteira nos dois lados, também
tem empresas nas duas margens desta estrada, que agora
oferece acesso pela direita e é por ali, aqui, que se faz o meu
caminho a mais de oitenta quilômetros por hora.
Dezenas de fábricas, hoje
parece sair continuamente fumaça pelas chaminés, o
nevoeiro segue em direção à cidade para onde vou.
Antes, que é agora, sigo, sim,
em breve estarei lá, mas neste momento faço a pergunta que, já
sei, não tenho a resposta: o que vou fazer no local para onde
estou indo?
Poderia parar e por alguns
minutos refletir a respeito do que pretendo fazer, mas algo me diz, em
silêncio, evidentemente sem palavras, que pode ser perigoso estacionar neste
acostamento e sigo ainda mais veloz em frente – pelo menos por
enquanto.
Estou na rodovia em linha
reta e daqui, exatamente deste ponto, posso ver a torre da igreja, um
tanto distante, logo bem perto se eu continuar a cem, cento e
vinte quilômetros por hora.
A quarenta, trinta
quilômetros por hora sigo pela avenida principal da cidade, a rodovia é
uma paralela de onde saí há segundos e agora observo
com a atenção possível os dois lados do trajeto mais
utilizado por moradores ou eventuais viajantes, como
eu.
Não sei, talvez
eu conheça, não essa, mas outra cidade, a que existia antes desses
prédios, farmácias, bancos, revendas de automóveis, centros
comerciais. Sei, não sei, as construções que observo são
inéditas para mim, mas o território parece dizer algo, quase me
cumprimenta, quero acreditar que, se pudesse, esse chão diria: oi, amigo,
quanto tempo?
Mas, talvez, eu esteja
equivocado – plenamente. O território acenaria, para mim, por meio de um,
ou mais de um, de seus habitantes. Um gesto, aceno de mão, sinal de
positivo, de paz, de heavy metal, sorriso de uma nativa, quem sabe um
olhar de desejo, disponibilidade ou mesmo
apenas de boas-vindas?
No entanto, não soltaram
fogos, nem houve gritos, nenhum aceno, nem por engano, nada – ninguém,
nenhuma pessoa, nem fantasma demonstra perceber a minha
presença.
Sem contato, recepção, porto
ou desculpa para estacionar, vou em frente, linha reta,
viro à direita, há uma descida, por onde passo outra vez em sentido
contrário minutos depois, faço o contorno na praça da
igreja e estou, outra vez, na avenida principal.
Continuo em linha reta, observo
o comércio e as pessoas que me ignoram, viro à direita, há uma descida, por
onde volto minutos depois, o contorno é na praça da igreja e,
mais uma vez, estou na avenida principal – se ando em círculos não sei,
sei que começo a repetir movimentos, talvez eu esteja de fato em
movimento, mas é movimentação repetitiva e, penso nisso apenas agora, se
há uma alternativa, para mim, é deixar imediatamente esse
local, aqui, encontrar um retorno e voltar para onde eu não deveria
ter saído.
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