Herdeiro do Vampiro

Marcio Renato dos Santos é um escritor que respira contos. Vem lançando um livro por ano, numa produção constante e de qualidade, sempre num bom nível de elaboração artística. Não é diferente com o recente A cor do presente (Tulipas Negras, 118 páginas), narrativas em que o acaso e o sonho predominam.

“Coincidência, ou não, Luciano insistiria, se pudesse, que não existe coincidência”, diz o narrador de “Comfortably Numb” (referências à cultura pop são comuns em seus títulos), conto em que o protagonista, um músico, é vítima de um desabamento de uma marquise, estando “num lugar impróprio na hora inadequada”. No segundo conto, “Serra”, também há um acidente, dessa vez um carro que cai num rio depois de seu motorista, o Diego, beber e fumar um cigarro atrás do outro, passando mal por isso. O que segue depois com o protagonista parece algo meio onírico ou alucinógeno.

Em “No corpo do sonho”, mulheres desaparecem misteriosamente e o caso repercute porque todas têm, coincidentemente ou não, quarenta anos. A detetive Antônia, que tem essa idade, investiga os desaparecimentos e, lá pelas tantas, tem um sonho em que, entre outros absurdos, aparece um coelho que lhe pede cigarro, repetindo uma clássica cena do conto “Teleco, o coelhinho”, de Murilo Rubião.

São justamente coelhos que protagonizam o conto que intitula o livro, cujo cenário é uma sociedade em que os modismos mudam a todo o momento e quem não segue os ditames corre sérios riscos: “O vento chega pelo noroeste, as mãos que distribuem as cartas são outras e Simão nem sabe mais se gosta do azul”.

Destaco também o conto “Subúrbios”, em que a inventividade do escritor se dá no nome de linhas de ônibus, praças e até pratos de restaurantes da história, inspirados em livros da literatura de sua terra, Curitiba. Que tal, por exemplo, provar um petit gateau Novela nada exemplares no restaurante Capitu sou eu (títulos de obras do Dalton Trevisan)?

Além destes cinco, há mais outros seis contos que, como bem sintetiza Aguinaldo Severino, no blog Livros que eu li, parecem “querer fixar em prosa alucinações, delírios, mecanismos mentais, paranoias ou ainda o fluxo de consciência de indivíduos mais que estranhos, doentes, bizarros”.

Marcio Renato dos Santos vem fixando seu nome como contista, dedicando-se a um gênero que ainda é preterido em relação ao romance, seguindo firme na trilha do Vampiro de Curitiba. Quem sabe não será o herdeiro do mestre?

(Outras resenhas que escrevi sobre o escritor: aqui e aqui.)


Resenha de autoria de Cassionei Niches Petry publicada no blog Pedra e Vidraça.

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