Solo para Vialejo


Hoje tem Solo para Vialejo, de Cida Pedrosa (Cepe: 2019): Sem manusear fisicamente (e exibir) esta obra, é difícil falar sobre ela. Não se trata de um livro de poemas convencional. A diagramação provoca impacto na fruição.

Tem poemas visuais, outros com repetições, há oralidade, e mais repetições, e o que Solo para Vialejo faz ver, ou ouvir, pelo menos eu escuto, é uma canção, ou muitas canções.

Solo para Vialejo tem Jackson do Pandeiro, xotes, jazz bands, Wanderléa, Roberto e Erasmo, Dylan, Muddy Waters, tantos negros blues, a dor dos africanos escravizados transformada em lamento, potência, beleza e ritmo.

E apesar das notas, melodias e pausas, há silêncio, sim, e um enredo insinuado em meio à poesia. É uma narrativa conduzida por uma voz feminina que, por que não?, pode se confundir com a da autora e seus ancestrais:

"uma mulher que fia/ fia armaduras para sois tristes/ fia acalanto para madrugadas rasas/ fia o orvalho para manhãs natimortas// fia fia fia// a rede que amparará o sono/ do filho tecido no ventre".

Livro-beleza, livro-desafio, livro-potência, não por acaso, evidentemente, Solo para Vialejo foi reconhecido, em 2020, como o Livro de Poesia e Livro do Ano pelos jurados do Prêmio Jabuti:

"depois de um dia colhendo algodão sob o sol de/ agosto papai cantava xotes para mim e me fazia/ ver o mundo para além dos seus olhos azuis/ mamãe cantava novenas intermináveis preparava/ o chá de manjericão e acalantava nossas dores/ com ungentos mágicos aprendidos com uma/ desconhecida bisavó índia".

Ao mesmo tempo em que empreende uma busca por origens de um Brasil profundo, Solo para Vialejo também flerta com o transcendental e inexplicável, que existe e, se não existiu, precisa ser inventado, como, por exemplo, a lenda de Robert Johnson revisitada pela poeta e blueswoman Cida Pedrosa:

"bem longe dali em outro lugar das améri-/ cas em uma outra encruzilhada um artista en-/ controu a virtuose nas cordas do violão afinado/ pelo diabo e se fez lenda andarilho som e náu-/ frago tocava de lado para não repassar os en-/ sinamentos recebidos naquela noite auspiciosa".

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