Discurso sobre a metástase
Hoje tem Discurso
sobre a metástase (Todavia, 2021), do André Sant'Anna: Quase todos os 18
textos tratam diretamente do naufrágio brasileiro.
O conto que dá nome ao livro tem uma voz curiosa em
entender como chegamos onde estamos – o narrador possui repertório, mas em
alguns momentos parece um eleitor do Bolsonaro, plenamente empoderado de
estupidez (a ironia do autor é arrebatadora).
Questões se repetem (intencionalmente) em quase todos os
14 contos da primeira parte do livro, "O homem". As narrativas
discutem o pesadelo em progresso que resultou no Brasil de 2021 – segue um
fragmento de "Os melhores do mundo":
"O povo brasileiro acha que o governo do partido
que o povo acha que é de esquerda foi de esquerda, só porque, durante o governo
de esquerda que não era de esquerda, quando os bancos, as empreiteiras,
agronegociantes e organizações criminosas em geral bateram todos os recordes de
lucratividade, a Nova Classe Baixa Alta que o governo que não era de esquerda
inventou saiu por aí comprando croc-chips-bits-burgers coloridos de tela plana
e comendo picanha no rodízio e atropelando pessoas nos feriados com o carro
financiado e pagando tudo com cartão de crédito, indo para a praia ouvir música
ruim no alto-falante do carro, alimentando o pior tipo de capitalismo possível,
esse tipo de capitalismo selvagem alimentado por um povo burro com dinheiro no
bolso, com cartão de crédito no bolso".
É uma descrição sublime ("Genial", diria o
Valêncio Xavier) do que foi feito/fizeram dessa "pátria precocemente envelhecida,
escravizada pelo dinheiro e seu séquito indestrutível de idiotas",
definição de um texto da segunda parte do livro.
"O autor", segundo bloco de textos, reúne 3
narrativas em que André Sant'Anna revisita-reinventa o seu percurso, o país de
Glauber Rocha-Jorge Mautner-Darcy Ribeiro e a trajetória literária de seu pai,
o magistral Sérgio Sant'Anna.
Em "A história do André Sant'Anna", ele – sugerindo que gostaria de ser, ter sido o George Harrison – conduz um enredo em que mostra como desenvolveu uma linguagem autoral, e como o Jorge Mautner foi, é importante em todo o processo – e ainda tem, na terceira parte, uma peça de teatro-conto-experimental-maravilha.
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