O enigma das ondas
Hoje tem O enigma
das ondas (Iluminuras, 2020), do Rodrigo Garcia Lopes: Este é o livro de
poemas do autor que apresenta mais clareza e possibilidades de impactar eventuais
leitores (quem sabe até não iniciados em poesia) – é a obra em que o poeta mais
dialoga com a realidade de seu tempo.
Evidentemente que O
enigma das ondas também estabelece pontos de contato com a tradição, outros
poetas, tantos poemas, produtos culturais e fatos.
Como um jornalista, que é, Rodrigo Garcia Lopes seleciona
recortes desse contexto de pós-verdade, golpes, pouca esperança, terraplanismo,
miséria e pandemia.
Um dos pontos altos do livro de excelentes poemas é "Sextina:
o Dia da Marmota", texto poético que conversa com Feitiço do Tempo (1993), filme em que o presente parece se repetir
— sensação de centenas de dias e noites da realidade mundial em 2020.
"Selvageria" traz versos que, individualmente,
podem definir personalidades disseminadas/forjadas pela indústria de difusão de
notícias. Entre tantos, "O apresentador de TV integra um grupo
neofacista". Sabe quem é? "O grande herói nacional era um agente da
CIA." Esse é fácil de reconhecer. E ainda: "Um filósofo ex-astrólogo
porrinha tido como gênio, um chucro".
Se não identificar os personagens, sem problema – a
leitura é potencializada pela força e sonoridade de cada verso, com um desfecho
para ninguém esquecer o cenário: "Seria um filme de horror, puta que
pariu,/ Não fosse só o Brasil".
Presente em dezenas de poemas, a ironia é parte da argamassa
de alguns dos textos que tratam de poesia e de poetas. "Haute
cuisine" mostra uma voz de quem domina as regras e exceções da arte
oferecendo ao cliente o poema que ele quiser para assinar e publicar. O impasse
daquele que tem força ao imitar e fraqueza com a própria voz aparece em
"Paradoxo de Maximus". E "Autópsia" reinventa a máxima
"poeta bom é poeta morto".
O livro começa e termina com poemas sobre ondas, as dos movimentos de marés, fenômenos não ignorados pelo poeta londrinense radicado em Florianópolis: "O poema nasce enquanto o procuramos".
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