Ai

 

Hoje tem Ai (Travessa dos Editores, 2007), do Fábio Campana:

Ai é um dos pontos altos do projeto cultural de Fábio Campana (1947-2021), artista que elaborou a metáfora da noite para tratar de aspectos existenciais.

A noite é recorrente em poemas do autor, a exemplo de “E coisas extraordinárias aconteciam”, do livro O ventre, o vaso, o claustro: canções de ex-menino para amor sem nome (2017), em que um personagem adulto encontra o menino que ele foi:

“O moço encontrou o homem/ e mostrou-lhe o menino em sua noite/ de olhos cerrados, a pedir os sóis/ que lhe prometeram.// Pediu ouro, poder e glória/ E exilou-se na escuridão.”

A noite, em que o personagem se exila, é retomada no livro seguinte, o último que Campana publicou, As coisas simples (2019).

“Desce novamente a noite espessa/ tecida pelo medo”, é a abertura de um poema que, não por acaso, tem como título a palavra-chave “Noite”.

E essa noite, tecida pelo medo, é, mais que tema até, cenário na obra do Campana, como está indicado no primeiro verso de “Pequeno Deus”:

“A noite é minha pátria.”

Pátria, enfim, que se estende pela prosa do artista, seja em Ai, assunto de hoje, e também no romance publicado em 1996, O guardador de fantasmas.

Não apenas por serem obras do mesmo autor, O guardador de fantasmas e Ai são livros-irmãos, narrativas inseparáveis de uma proposta detalhadamente articulada, ambas (também) com uma mesma questão: a noite.

Em O guardador de fantasmas, narrado em terceira pessoa, o cenário é uma cidade de Curitiba recriada, e um dos temas centrais é o conflito com o pai, não apenas do personagem central, mas com a figura paterna e seus simbolismos.

Já em Ai a narração é feita em primeira pessoa, o cenário é a cidade de Foz do Iguaçu e um dos impasses é o conflito do personagem-narrador com a mãe, mais precisamente com o que implica a presença da figura materna.

Outras questões atravessam Ai, além da linguagem preciosa, mas é necessário chamar atenção para a última frase, o que não estraga o prazer de quem ainda não leu, ao contrário, é um convite para conhecer ou revisitar esta grande obra:

“O pai morreu de câncer ou de você, mamãe?”.


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