A chuva imóvel

 

Hoje tem A chuva imóvel (Autêntica, 2018), do Campos de Carvalho:

Publicada em 1963, A chuva imóvel trata da vida, e do que é o fato mais importante em uma existência, a morte – isso em diálogo com clássicos, de textos bíblicos a Machado de Assis, e também com a obra em progresso de Campos de Carvalho (1916-1998), A lua vem da Ásia (1956) e Vaca de nariz sutil (1961).

E a falta de sentido, para tudo (tema da ficção deste autor), é indicada no início de A chuva imóvel com a informação de que, em uma estrada, o narrador percebe estar perdido:

“E que faria eu com uma bússola? Em que me interessa saber onde fica o Norte, onde fica o Sul? (O sistema solar: mas que bela teoria! Que vê-lo é funcionando!)”.

Quem é o personagem André? Quem seria Andréa? E o Castanheira? 

Não é fácil precisar quem é quem neste enredo, e de repente o narrador dispara:

“À meia-noite viro lobisomem; a solução então seria não sair do quarto, se possível nem de mim: mas isso não é uma solução.”

Tudo, absolutamente tudo parece estranho e ao mesmo tempo próximo, talvez conhecido de todas, de todos – é a linguagem magnífica que conduz leitoras e leitores por esse mistério ziguezagueante em que vida e morte são quase a mesma experiência em A chuva imóvel:

“O diabo é que não posso viver dentro de uma garrafa, e nem eles, como um desses navios ou fetos engarrafados, nadando em formol e em areia, tão expostos em sua exposição quanto os que estão do lado de fora, lá fora, a dois palmos do vidro. Bebo mas não me bebo.”

O narrador identifica, antes de um túnel, odor de enxofre, com todo o simbolismo que o cheiro possa vir a ter, e então, depara-se com uma, no contexto da narrativa, incontornável corda:

“À minha mãe eu direi que se trata de uma armadilha para apanhar fantasmas, assim ela já não terá muito com que preocupar-se, embora eu possa também apanhar o fantasma do meu pai, ele como qualquer outro, ele mais do que nenhum outro: com aquele pescoço de puma, igual ao meu.” 

E ainda tem o desfecho, com toda aquela sofisticação que Campos de Carvalho, e somente ele, sabia elaborar:

“Mesmo morto continuarei dando meu testemunho de morto. E esta chuva imóvel serei eu que estarei cuspindo.”

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Livro sobre o skate no Paraná será lançado durante a 42.ª Semana Literária Sesc & Feira do Livro, em Curitiba