O Princípio da Incerteza
A
exemplo das obras anteriores de Guido Viaro, O Princípio da Incerteza (2019) também trata de questões
filosóficas e existenciais a partir de um enredo inusitado e fluente. Mas o
décimo quinto romance do autor tem algo a mais – e esse algo a mais é o
seguinte:
A
narrativa apresenta o professor de filosofia Félix Aéras, quase com 60 anos,
praticamente aposentado. Ele gostaria de ser reconhecido como escritor – e a
literatura, o universo literário e a escrita também formam o arco estrutural de
O Princípio da Incerteza.
“Chega.
Chega. A quem estou querendo enganar? É claro que Félix Aéras sou eu, aquele
que se escondeu atrás da terceira pessoa para fingir distanciamento e uma
isenção que não existem”. Desta maneira tem início o capítulo 3 de O Princípio da Incerteza, com o narrador
desconstruindo narrativa, e ele segue:
“Escrevi
os dois primeiros capítulos disfarçado, e talvez, sugiro aos que lerem esses
escritos e gostarem, se quiserem indicar para os amigos podem dizer para eles
começarem a ler pelo capítulo 3 (no fundo a primeira pessoa é tão honesta e
desonesta quanto a terceira), portanto é melhor não levar essa e outras
sugestões a sério. Comecem a ler pelo capítulo 1, enganos, distrações, erros,
egoísmos, tudo faz parte da vida, e um livro ou monte de palavras enfileiradas
é ou pode ou deveria ou almeja fazer parte da vida”.
Ao
colocar em xeque a narração, o narrador do romance de Guido Viaro estabelece
diálogo com o título do livro, O
Princípio da Incerteza, que por sua vez faz referência ao célebre enunciado
de mecânica quântica “Princípio da Incerteza”, elaborado por Werner Heisenberg,
em 1927. De acordo com o enunciado de Heisenberg, é impossível conhecer de fato a estrutura da matéria, porque
não havia e ainda não há como saber exatamente a forma de interação entre as
partículas atômicas.
A partir do conhecimento do princípio apresentado
por Heisenberg, o romance O Princípio da
Incerteza, apesar da precisão narrativa, pode deixar o leitor sem nenhuma
certeza, seja em relação a algumas questões do enredo (há tramas dentro da
trama) e também a respeito de temas universais, como um possível sentido que a
existência possa vir a ter.
Já o amor romântico, pelo menos para o personagem
Félix Aéreas, não existe e, se existir, não se sustenta. O livro de ficção de
Guido Viaro ainda discute, e isso se faz por meio de humor sutil, o que é
autoria e sucesso literário e, nas linhas e entrelinhas, há um debate sobre a
relevância do trabalho, das universidades e do marxismo.
O
Princípio da Incerteza é
ambientado na França e, além de notáveis recriações da paisagem, a narrativa se
apropria de elementos da cultura francesa, como no desfecho do capítulo
17:“Assisti mais um pouco de televisão, era um documentário sobre os famosos
chocolates Poulain, cujo chocolate em pó marcou muitas gerações de franceses,
inclusive a minha. Quando fui dormir senti uma doce nostalgia da infância. Nada
mais.”
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