Nota sobre Os touros de Basã



      Em sua estreia como contista, o poeta Marco Aurélio de Souza apresenta os touros que habitam cada vez mais as cidades brasileiras. Nas 13 narrativas de Os touros de Basã (Kotter Editorial/Patuá, 2019), o autor recria literariamente o que todos vemos e não conseguimos esquecer: os sem teto, os sem PIS, os sem férias, os que ocupam brechas disponíveis, seja embaixo de marquises ou dentro de imóveis abandonados, entre opções urbanas.
Esses touros talvez estejam amortecidos por álcool, drogas, desalento e solidão. Mas não são mansos. E se eles se articulam e, por exemplo, atacam todos os outros, eu e você? Será, então, a hora dos ruminantes?
Algum vizinho, talvez a vizinha do 71, está ouvindo em volume exagerado “Milagres”, do Barão Vermelho, e, neste instante, parece que o Cazuza canta: “Que tempo mais vagabundo/ esse agora/ que escolheram pra gente viver”.
A canção me desconcerta, quase atrapalha o raciocínio, mas, qual era mesmo a sequência deste texto? Linguagem? Confluência? Ahn? Sim. As narrativas de Marco Aurélio de Souza flertam com a crônica nos fragmentos em que o narrador descreve cenários, muitos deles em Ponta Grossa, cidade onde o autor vive. As descrições indicam um ponto de vista crítico e sóbrio, elementos que imprimem consistência aos textos, ao livro como um todo. Mas também há recursos do conto, as tramas e resoluções de problemas, além da necessária tensão, fundamental em uma breve narrativa.
Ler uma obra de narrativas temáticas, ainda mais se a proposta é bem resolvida, fascina, seja Nu, de botas, recriação da infância de Antonio Prata, e especialmente este Os touros de Basã, que focaliza um problema brasileiro sem solução rápida ou fácil — Basã é um local recorrente na Bíblia, e aparece, por exemplo, em “Josué”, no Antigo Testamento — reler a Bíblia é um prazer estético, ainda mais se a tradução é a do português João Ferreira de Almeida, um estilista notável, apreciado, entre outros, por Dalton Trevisan.
Tenho um conto, "Gudzins", publicado na edição de setembro de 2018 da Revista Ideias, que, se não é irmão, pode ser um primo, mesmo distante, das narrativas que Marco Aurélio de Souza nos brinda, certeiro, neste Os touros de Basã.

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