Jonatan Silva resenha A cor do presente


Jonatan Silva fez uma resenha de A cor do presente (Tulipas Negras, 2019), o meu oitavo livro de contos. É a quinta resenha sobre a obra. Conteúdo publicado no portal de jornalismo cultural Escotilha.

A Curitiba de Dalton Trevisan não é aquela que o turista viaja. Não é a cidade da Rua das Flores, da Ópera de Arame ou do espetáculo de natal do Palácio Avenida. O que interessa ao Vampiro, que dias atrás completou 94 anos, é a pedra de petit pavê que serve de cama para os merdunchos, os amplificadores apocalípticos da igreja evangélica na Ubaldino do Amaral e os pais violentos que agridem as filhas com facões. Essa Curitiba não está nos cartões-postais, nas lembranças de quem por aqui passou: só circula nas páginas policiais do jornal, nos comentários dos bares da Pedro Ivo e nos barracos do Sabará.

Poucos são os escritores que habitam essa Curitiba além do autor d’A Polaquinha. E são tão poucos, tão raros, que talvez o único com permissão para entrar nesse portão de miséria e realidade seja Márcio Renato dos Santos com os contos de A cor do presente, seu livro mais recente publicado pela Tulipas Negras. Os relatos misturam temas realistas e cotidianos – como vingança, inveja, ciúmes – e viagens oníricas – desejos, ambições, devaneios – em um livro justo cujas palavras parecem ter sido colocadas meticulosamente para não sobrar nenhuma.

“Comfortably numb”, o conto de abertura, é uma ressaca espiritual e social, um passeio pela natureza incompleta de um homem. “Seria”, o texto seguinte, mergulha nas possibilidades, nos condicionais da vida moderna e nos fracassos que qualquer pessoa colecionada ao longo da vida. Márcio Renato constrói, logo de início, uma reflexão imponente sobre as subjetividades e sutilezas, algo que – em certa medida – percorre todo o livro. “O Corpo do sonho” bebe sem timidez em Borges e Cortázar, narrando, ao melhor modo de “A Casa tomada”, o desaparecimento misterioso de mulheres quarentonas.

Em “Eterna”, uma sátira das conferências de escritores como o autor de O Aleph, o curitibano brinca com a noção de hipocrisia, emulando a dissimulação de Almodóvar para criar um retrato cômico do desejo de status e da afetação.

Produção local
Não é segredo que Santos é um entusiasta da produção local, quem sabe o sujeito que melhor compreende a história e a importância do que foi o escritor na terra das araucárias. E esse é o fio condutor de “Subúrbios”, uma homenagem declarada – para não dizer escancarada – à literatura de Curitiba, fazendo de livros e autores pontos-chave de uma geografia sentimental, ao mesmo tempo em que trata de questões como origem, preconceito e ascensão social.
Em todos os contos, A cor do presente – que não esconde o trocadilho entre o que foi e o que é viver e ser invisível na cidade da Lava-jato – faz da literatura um exercício de ressignificação e abstração. É como se Márcio Renato dos Santos afogasse o leitor em um mar de ilusões – às vezes melhores que a realidade e em outras nem tanto – para depois mostrar que aquilo não passou de um escape, uma fuga.
Com uma literatura muito própria, que se insere no particular do autor, A cor do presente é uma obra cirúrgica, inteligente e cheia de camadas que merece – e deve – ser lida mais de uma vez.

Link da resenha no portal de jornalismo cultural Escotilha.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

neste interlúnio

Ampliando Horizontes descobre novos nomes da literatura paranaense