O meu discurso de posse na APL


Senhoras e senhores, amigos e amigas, boa noite.
É uma alegria muito grande, uma imensa alegria estar aqui, hoje, com vocês.
É uma satisfação tomar posse como o segundo ocupante da Cadeira 36 da Academia Paranaense de Letras, cadeira que tem como patrono o Monsenhor Ricardo Pereira de Lemos e Heitor Stockler de França como fundador.

Tenho 44 anos e, partir de hoje, sou o mais jovem integrante da Academia Paranaense de Letras no atual contexto.

Fui recebido nesta instituição apenas 8 anos após estrear como autor. Tenho sete livros de contos, um livro de não ficção e sou coautor, com o José Carlos Fernandes, de um livro sobre a história da Gazeta do Povo. Portanto, tenho oito e meio livros.

Oito e meio, título de um dos filmes de que mais gosto e que mais vi até hoje, o mágico, o onírico e o sempre inebriante Oito e meio, do Federico Fellini.
Este momento, este agora, é um tanto felliniano. Afinal, até parece que estou dentro de um sonho.
Até pouco tempo, não tinha cogitado me candidatar e muito menos vir a integrar a Academia Paranaense de Letras.

E, a exemplo de uma série de eventos da minha vida, só decidi me candidatar por causa do incentivo de amigos.

Neste caso, por causa de um grande amigo, o escritor Guido Viaro.
O Guido sugeriu que eu me candidatasse. Ele participou de uma movimentação, que teve um capítulo inicial traduzido em uma disputa em 2017 e que culminou na minha eleição para a APL, confirmada em 11 de abril deste ano.
Desde o início dessa articulação que me aproximou da Academia, o Guido acreditava mais em mim, no meu nome para a APL, do que eu mesmo.
E eu não acreditava na possibilidade de me candidatar a uma vaga na APL, não, por exemplo, por incorporar versos do poeta português Fernando Pessoa que, no clássico “Tabacaria”, diz:

“Não sou nada./
Nunca serei nada./
Não posso querer ser nada./
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

Quantos poemas do Pessoa, o verdadeiro imperador da língua portuguesa, me traduzem, e traduzem muitos de nós.
“Que espécie de homem sou”, por exemplo, é magistral:

“A constituição inteira do meu espírito é de hesitação e dúvida./
[...] Tudo para mim é incoerência e mudança./
Tudo é mistério e tudo está cheio de significado.”

Mas, como eu dizia, sequer pensava em me candidatar a uma vaga na APL não por causa da leitura e do impacto e do eco, em minha pessoa, de versos do poeta português e nem mesmo, por exemplo, devido a praticamente encontrar tradução para minha existência em versos, entre outros autores, do Carlos Drummond de Andrade.
Drummond, poeta que conheço a obra, e que me encanta e traduz desde seu primeiro texto poético, de seu primeiro livro, Alguma poesia, publicado em 1930:

 “Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida”.

Ah, Drummond.
Ah, Bandeira:
Manuel Bandeira, outra voz poética que leio diariamente, autor de versos magníficos, por exemplo, este:

“O que tu chamas tua paixão,/
É tão somente curiosidade./”

Bandeira, autor de “Pneumotórax”, poema que traz preciosidades, como o verso:
“A vida inteira que podia ter ido e que não foi.”

Bandeira, o Bandeira de “Poética”:

“Estou farto do lirismo comedido/
Do lirismo bem comportado./

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação”.

Ah, Bandeira, poeta maior, poeta total, poeta autor de “Porquinho-da-índia”:

“Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor no coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

— O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.”

Ah, Bandeira.

Mas eu comentava, antes de lembrar do Pessoa, do Druumond e do Bandeira, que não cogitava me candidatar para uma vaga na APL, e não sei o motivo de, até pouco tempo, não pensar no assunto.

Conhecia a instituição, sabia de sua relevância, mas, enfim, foi o Guido Viaro, sim foi ele que fez eu acreditar que a minha candidatura para a Academia seria possível.
Por isso, e por muito mais, por alguns anos de amizade, agradeço ao amigo e escritor Guido Viaro por toda ajuda e pelas palavras, por seu belo, belíssimo discurso realizado há pouco.

Guido, meu caro Guido Viaro, muito obrigado.

Mas é preciso agradecer a outros, muitos, que vieram antes.

Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, que estão aqui, a minha mãe, Júlia Moreira dos Santos, e o meu pai, Luiz Carlos dos Santos. A vocês dois, todo agradecimento, toda gratidão. Por tudo. Pelo convívio, pelo exemplo, obrigado. Desde sempre. Muito obrigado.

E, a partir de vocês dois, e por meio de vocês, agradeço a todos os meus antepassados, avós, avôs, bisavós, bisavôs, aqueles que conheci e ainda os outros, que não tive a oportunidade de conviver.

Também agradeço ao meu irmão Guilherme, e sua esposa, Renata, obrigado.

Agradeço a diversas pessoas que me ajudaram a chegar até aqui, neste dia dado, nesta noite memorável.

Ao quarteto experimental, que tornou possível a minha trajetória na literatura: Jamil Snege, Manoel Carlos Karam, Valêncio Xavier e Wilson Bueno, obrigado.

Obrigado a artistas que, sem saber, teriam influência na produção de um curitibano que hoje participa desta cerimônia de posse na Academia Paranaense de Letras.

Obrigado a Machado de Assis, Jimi Hendrix, Lima Barreto, Miles Davis, Lucia Berlin, Federico Fellini, Itamar Assumpção, Ingmar Bergmann, Luiz Melodia, Guy de Maupassant, Newton Sampaio, Cazuza, George Harrison, Helena Kolody, Anton Tchekhov, Clarice Lispector, Julio Ramon Ribeyro, Carlos Drummond de Andrade, Renato Russo, Hilda Hilst, Manuel Bandeira, Cássia Eller, Tom Jobim, Bob Marley, Cortázar, João Gilberto, Murilo Rubião, Virginia Woolf, Mario Quintana, Noel Rosa, Dalton Trevisan, Campos de Carvalho, Lamartine Babo, Dyonelio Machado, Robert Johnson, Jorge Luís Borges, Nei Lisboa, Paulo Leminski, Paul McCartney e, especialmente, John Lennon.
A vocês todos, obrigado.

Faço um agradecimento especial aos povos que, pioneiramente, habitaram essa região, situada a 934 metros acima do nível do mar de Paranaguá, que seria denominada Curitiba.

Respeito e admiro demais todo legado dos indígenas que, como o Jorge Mautner observa, ainda hoje são um mistério. Em uma belíssima canção, “Negros blues”, ele os define, perguntando:

“Ah! Os indígenas, quem são?
Mais antigos do que tudo        
Do que todos nós
Astronautas, atlântidas, mongóis    
Sei lá... Sei lá...       
Eu sei lá...   
Mas, quem saberá?”

Agradeço a todos os indígenas e peço licença, mesmo simbolicamente, à energia indígena presente nesta cidade, neste Estado para seguir em frente.

E agradeço, especialmente, a uma pessoa que não tive o privilégio de conhecer, mas que tenho a honra de suceder nesta Cadeira 36.

Estou falando de Apollo Taborda França.

Há pontos de contato entre nossas trajetórias, por exemplo, ambos nos formamos em Jornalismo — apesar de que ele também se graduou em Direito e em Ciências Econômicas.

Apollo Taborda França foi professor e coordenador do Curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, o mesmo que cursei entre 1992 e 1995.

Ele escreveu no jornal O Estado do Paraná e na Tribuna de Guaratuba, um de seus empreendimentos, além de editar a publicação Academus, da APL, enquanto eu trabalhei, entre outras publicações, na Revista Ideias e na Gazeta do Povo.

Nós dois também fomos convidados para publicar textos de criação em antologias.

No entanto, sou contista, enquanto o Apollo, nome que aparece na Ilíada, de Homero, como o deus da poesia, foi um poeta, também trovador, mas essencialmente poeta, autor de várias obras, entre as quais Sinfonia da Rua Quinze, de 1976, Festa de Amor, de 1982, e Eu e eu, do ano 2000, da qual eu declamo o poema “O tempo”:

“O tempo se supera
Célere
Indiferente
Deixando tudo para trás
Do bem e do mal
Do que aconteceu
Só os anais
Registram a memória

E o homem permanece
Dentro da vida
Pensativo
Em devaneios
Procurando ensejar
Ou recompor
Tudo o que anseia
Ou já passou

Sempre na busca
Insólita
De concretar
Certo momento
Quando este não é mais.”

Este poema é um dos pontos altos da vasta produção do Apollo Taborda França, um texto poético sobre um dos assuntos presentes em vários legados, tema que diz respeito a todos nós, a passagem do tempo. Tema que aparece, por exemplo, nos contos de meu livro Finalmente hoje, publicado em 2016.

Mas há ainda um outro ponto de contato entre os interesses/paixões do Apollo e os meus: a admiração por Guaratuba, aquele remoto ajuntamento de guarás, pássaros roxos, o balneário recriado literariamente em Mar paraguayo, do Wilson Bueno, e que eu recrio em “De volta ao Malecón”, conto de meu sétimo livro de narrativas, A certeza das coisas impossíveis, publicado este ano.

O tempo, do poema do Apollo, de romances do Machado, de filmes do Bergman e do Fellini, de poemas do Bandeira e de canções do Caetano, o tempo, como canta o Caetano Veloso, é “um senhor tão bonito/            Quanto a cara do meu filho/ [do meu filho Vitor, que está aqui]/ Tempo tempo tempo tempo/ Compositor de destinos/ Tambor de todos os ritmos/ Tempo tempo tempo tempo.”

Tempo que passa e não posso deixar de mencionar um período de minha trajetória em que tive a oportunidade de aprender imensamente, a temporada na imprensa.

Tempo de escuta, de ouvir, de fato, escutar.

Nas redações da revista Ideias e da Gazeta do Povo, e atualmente do jornal Cândido, a prática do jornalismo me proporcionou, e ainda proporciona, além da oportunidade de produzir textos, conhecer diversas pessoas, entre as quais, alguns integrantes da Academia Paranaense de Letras.

Paulo Venturelli. René Dotti. Ernani Buchmann. Luci Collin. Roberto Gomes. Nilson Monteiro. Etel Frota. Dante Mendonça. Marta Morais da Costa. Luiz Geraldo Mazza. Adélia Maria Woellner. E o Belmiro Valverde Jobim Castor.

E, pela situação inesperada, o Laurentino Gomes.

Eu era repórter na Gazeta do Povo, entreguei as matérias do dia, me preparava para ir para casa, quando a direção do jornal me passou uma pauta. Acompanhar a posse do Laurentino Gomes, na noite de 15 de setembro de 2010, no Unicuritiba.
Laurentino iria tomar posse da Cadeira 18, ocupada anteriormente por Francisco da Cunha Pereira Filho, um dos proprietários da Gazeta, falecido em 2009.

E, em um carro do jornal, acompanhado de um fotógrafo, segui para o bairro Rebouças, endereço da instituição de ensino, palco do evento.

Lembro que, em meio à cerimônia, anotei informações, conversei com acadêmicos e, devido à urgência do fechamento do jornal, me preparava para retornar à redação, na época, ainda na praça Carlos Gomes.

Já passavam das 21 horas, quando recebi a ligação do Sérgio Luis de Deus, um dos editores do então caderno Paraná. Ele disse que o fechamento foi adiantado e que eu deveria passar as informações pelo celular.

Ou seja, eu não poderia chegar à redação, ligar o computador e escrever e reescrever o texto. Reescrever o texto. Checar as informações. Escrever e reescrever o texto. Nada disso.

Fato é que me concentrei e enunciei, pelo telefone celular, as frases, na ordem direta, priorizando as informações do evento.
Foi uma experiência interessante, uma vez que a exigência da notícia se sobrepôs ao estilo, à necessidade que sinto e tenho de reescrever pelo menos cinco vezes cada frase, seja uma nota para jornal, um e-mail ou um texto de ficção.

Mas, especificamente naquela noite, acontecia a posse de um jornalista na Academia, de um grande jornalista, o que exigia agilidade na tradução das informações.
No dia seguinte, logo pela manhã, li o jornal, ainda em papel, e a emoção foi intensa, imensa. Como sempre foi, e ainda é, como me emociono desde que comecei a escrever e a publicar qualquer texto que produzi e produzo.

Há uma sensação, sem exagero, indescritível, e quem escreve sabe, quem escreve, sabe o que é ler um texto autoral.

Ler um texto jornalístico, de minha autoria, é emocionante, mas ler um texto de ficção, um conto, pois, se um grande baiano canta que só danço samba, “só dança samba”, eu só escrevo conto, “só escrevo conto”, e isso é uma das grandes aventuras da minha vida.

Transformar um sonho, uma observação, uma cena, inventar personagens, envolver personagens em um enredo, e reescrever, reescrever, é o que me move nesta vida.

Recriar a vida, dialogar com obras literárias, canções, filmes, quadros, esculturas e o mundo onírico, isso é ficção, isso é o que faço todos os dias, há 20 anos, ininterruptamente, faça sol, frio, chuva, calor, neblina, neve.

E, tenho convicção, é por causa disso, dessa força que se chama ficção, já traduzida, por mim, em sete livros de contos, é que estou aqui hoje.

Comentei anteriormente que alguns fatos, sobretudo os decisivos na minha vida, foram criados a partir de sugestão e apoio de amigos.

Sim, me candidatei a uma vaga na Academia por estímulo do Guido Viaro.

Da mesma maneira que fui cursar mestrado na Universidade Federal do Paraná, onde defendi uma dissertação sobre o legado do escritor Newton Sampaio, por estímulo e insistência do Wilson Martins e do Miguel Sanches Neto.

Da mesma maneira que comecei a publicar contos por insistência e estímulo do Jamil Snege e do Fábio Campana.

Da mesma maneira que me dediquei ao jornalismo cultural por estímulo e generosidade do já citado Miguel, do José Carlos Fernandes e do Rogério Pereira.

De modo que agradeço a eles, Wilson Martins, Miguel Sanches Neto, Fábio Campana, José Carlos Fernandes, Rogério Pereira e Jamil Snege pelo estímulo e pelas oportunidades que eles, todos eles, criaram para que eu pudesse caminhar e me desenvolver e, sem que eu soubesse, para que um dia, que é hoje, viesse a assumir uma cadeira nesta instituição que reúne personalidades, os notórios representantes da cultura e das letras do e no Paraná.

E a vocês, amigos e amigas,

e especialmente a minha esposa, a Fabiola Mann Pereira,

me dirijo agora com um fragmento de “Na esfera da produção de si mesmo”, texto de Waly Salomão publicado na edição única da revista Navilouca, em 1974, ano em que nasci: e enfim

“Tenho fome de me tornar em tudo que não sou
tenho fome de fiction ficciones fictionários
tenho fome das fricções
de ser contra ser tudo que não sou
ser de encontro a outro ser
tenho fome do abraço de me tornar o outro
em tudo que não sou
me tornar o outro em tudo
me tornar o outro a outra douto doutra
em tudo em tudo que não sou
me tornar o outro
me tornar o nome distinto o outro
distinguido
por um nome distinto
do meu nome
distinto
tenho fome de me tornar no que se esconde
sob o meu nome
embaixo
do nome
no subsolo
do nome
sob nome
o sobnome
e por uma fresta
num abraço contíguo penetra passa habitar o fictionário
que me tornei
em tudo
um baile de máscaras reais
vir a ser este fictionário
que não sou
É uma alegria muito grande
não tenho de que me queixar
é uma alegria muito grande estar aqui entre pessoas boníssimas
é uma alegria muito grande conviver com vocês todos neste dado
neste dia dado em que uso da palavra pra me dirigir em agradecimento a todas as pessoas boníssimas bonissíssimas que me acolhem sempre na maior alegria
e me acolhem me aquecem
é uma grande alegria
é uma alegria muito grande
não tenho do que me queixar
é uma alegria muito grande estar fruindo entre pessoas boníssimas
melhor dizendo bonissíssimas
neste dado neste dia dado.”

E neste dia dado, nesta noite dada e magnífica,
Ainda agradeço ao Ernani Buchmann,
presidente da Academia,
e, principalmente, amigo
Amigo desde o feriado da semana da pátria do ano 2000,
ano em que aconteceu uma feira do livro no pavilhão do Parque Barigui,
e, como uma grande editora brasileira desistiu de participar,
o Jamil, o Miguel e o Ernani assumiram o espaço, criando,
assim, um estande exclusivo para autores paranaenses.
Fui contratado, convocado, nem lembro mais de que maneira, mas, enfim,
Trabalhei naquele espaço
E durante dez dias convivi com escritores que se tornaram amigos
E, desde aquele tempo, já distante, tenho o priviégio de compartilhar da amizade e
generosidade do Ernani,
também responsável por eu estar aqui hoje, sem dúvida.

E, enfim, saio de cena com um fragmento de um poema de Vladimir Maiakovski, poeta russo, poeta total:

“O muro das sombras,
Prisão das trevas,
Desaba sob o obus
Dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
Chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
E a noite lenta
Quer ir pra cama,
Marmota sonolenta,
Eu, de repente,
Inflamo a minha flama
E o dia fulge novamente
Brilhar
Brilhar pra sempre
Brilhar como um farol
Brilhar com brilho eterno,
Gente é pra brilhar,
Que tudo o mais vá pro inferno,
Este é o meu slogan
E o do sol”.

Muito obrigado,

Marcio Renato dos Santos.

Curitiba, 16 de julho de 2018.

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