Ursa menor

                Agora o Zé Colméia chega, chegando, e diz: ocupem a floresta. Ou, então, ele grita: essa é uma floresta que se ocupa. Pode? Claro que pode. Quem vê e escuta pode escutar e ver, independentemente de aceitar. Mas os que circulam na área e na chuva, em movimento, encharcados, há duas décadas, sabem que o Urso é canalha.
                O Panda, outro nome pelo qual chamam o Zé Colméia, conseguiu enganar a todos, ou quase todos, os bichos por um longo tempo. Ocupou o posto da Águia. Liderou (liderou mesmo?) o Guepardo, o Bode Careca, a Mula, o Lobo Bobo, o Chacal, a Hiena, o Ganso, a Anta e tanto zoo, ai de nós. Não, eu não faço nem fiz parte da fauna, apenas tento narrar essa fábula.
                Mas, uma vez que invadi o enredo, aproveito para observar algo que pode ajudar a leitora e o leitor a compreenderem um pouco mais a mentalidade do Zé Colméia. No fundo, ele não passa de um burrinho viajado, com todo respeito aos nossos irmãos, os Jumentos.
O protagonista deste texto acumula inúmeros carimbos no passaporte e retratos em frente a troncos, fontes e gramados. O Panda poderia fazer economia, basicamente posicionando o seu corpanzil diante de fotos de logradouros glamurosos, e clique. Mas não. O peludo prefere gastar parte do que acumula a se deslocar até outras paisagens para, na volta, exibir o que imagina ser troféu: o seu álbum de viagens.
 Mas é tempo de retornar ao enredo. O espaço é curto e já consumimos, até aqui, mais de um terço do que nos cabe neste minifúndio. Vamos recuar, pelo menos duas décadas. Desde aquele tempo, o Urso já fazia de tudo para anular o arrulho dos pombos, o balido das ovelhas, o grunhido dos porcos, o grasnar dos jacus e, ora direis, sufocou até rugido de leão.
Sabe-se lá como – eu sei, mas não vou revelar – o nosso, nosso não, o Zé Colméia foi nomeado para divulgar o que acontecia na floresta. Mas o Panda só tinha interesse em seu bramido e não economizou energia para abafar o que não dizia respeito à própria toca.
Mais até do que ter o seu pote recheado de mel, o Urso a-do-ra hibernar. Fora isso, vê, ou anuncia ter visto, imagens projetadas na parede. O Panda tem medo da ação. Desconsidera o suor. Passa perfume em todos os seus pelos com a finalidade de disfarçar eventuais odores. Somente os que estão distantes, em outras florestas, têm – na opinião dele – o direito de agir.
Graças a um método, o toma lá, dá cá, o peludinho passou a ter acesso a informações de outras florestas e, devido ao benefício, repetiu, e segue a repetir, aqui o que dizem e pensam por lá. Há quem o leve em consideração. A Macaca, aquela, a que gosta de tudo ex-pli-ca-di-nho, ela admira o Panda. Mas, sabe, nevou, choveu, deu sol, praia, até floresta a céu aberto e, nessas duas décadas, o Urso ainda não elaborou nenhum pensamento, apesar de se anunciar sábio, quase um doutor.
Enquanto a fábula se faz, nesse último parágrafo, a situação do Urso já não é mais a mesma. A toca caiu. Hoje a Andorinha tenta controlar os holofotes neste matagal. Mas agora é quase tarde demais. Algumas aves calaram. Outros mamíferos entraram em extinção. E, revisando o que escrevi, me dou conta de que há um equívoco no enredo. Ele, na realidade, é ela. Ou seja, o Urso é uma Ursa. Mas o caráter, as ações e as conseqüências da postura maquiavélica são, de fato, as relatadas, com fidelidade, até aqui.

Publicado originalmente na página 67 da revista Ideias (Travessa dos Editores), edição 140, junho de 2013.

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