Os imitadores do Leminski não trabalham


O sujeito que sorri está feliz? Necessariamente, não. Pode, inclusive, ser um criminoso na véspera de um golpe. É pelo calçado que se conhece a personalidade de uma pessoa? Talvez. Mas a moça ou o rapaz podem calçar saltos ou botas apenas para manipular a audiência.

Vamos supor que a leitora, ou leitor, está em Curitiba e se depara com alguém que se apresenta como poeta multimídia. E mais. O inesperado interlocutor cultiva bigode, cita uma frase em latim, outra em francês e ainda conta que é tradutor e letrista. Que tal?

Uma vez que 2013 é o ano das revelações, vamos lá, confesso: não conheci o Paulo Leminski (1944-1989). Sou uma das poucas pessoas que conheço que assume não ter conhecido o artista. Já ouvi relatos e quase diariamente surge alguém contando que conviveu, bebeu e fez parcerias com o autor de Catatau.

Se não o conheci pessoalmente, conheço toda a obra dele. Adolescente, li durante um ano o livro Distraídos Venceremos uma vez por dia. Todos os dias. O que ele citava em ensaios, eu procurava. A Rimbaud e John Fante, entre outros, tive acesso por sugestão do poeta.

As ruas, esquinas e montanhas não me trouxeram Leminski em pessoa, mas encontrei, e encontro, inúmeros imitadores. Do sujeito que mantém bigode semelhante aos que dizem fazer o mesmo que Leminski fez: poesia, tradução, letra de música, prosa experimental e até textos para agências de propaganda.

Lembro de Leminski no dia do trabalho. Viveu 44 anos. E, nesse aparentemente curto espaço-tempo, trabalhou. O legado faz eco. Toda Poesia está nas listas dos mais vendidos. Uns adoram, outros detestam. Eu não me encanto mais, mas o adolescente que fui agradece: obrigado, Leminski, por abrir portas, indicar leituras e pela companhia, página após página, durante anos.

Agora, bocejo e evito os imitadores. Os clones do Leminski, com ou sem bigode, até os de cabelo raspado, não têm público e se ressentem com a indiferença. Desconfio que esses cosplays não empolgam porque não trabalham. Alguns devem ser sustentados pela família ou ganharam na Mega-Sena. No entanto, não me refiro apenas ao fato de alguns comerem e beberem sem suar a camisa ou bater cartão, mas – sobretudo – ao óbvio ululante: os imitadores do Leminski não trabalham a linguagem, os detalhes, os textos.

A aparência de alguns supostos poetas bigodudos curitibanos, como quase toda miragem, engana. Uns nem obra têm. E mesmo assim querem reconhecimento mimetizando a aparência do Leminski, artista que trabalhou e teve a coragem de enfrentar e viver o seu próprio destino.
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Publicado originalmente na página 8 do caderno Vida & Cidadania da Gazeta do Povo no dia 1.º de maio de 2013. Eis o link: http://tinyurl.com/ctqyhvb

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