Formas do nada


Hoje tem Formas do nada (Companhia das Letras, 2012), do Paulo Henriques Britto:

Destaques deste livro são poemas a respeito da falta de sentido da existência, e para os que ainda não conhecem, transcrevo  "Madrigal":

"Desista: não vai dar certo./ O mundo é o mesmo de sempre,/ desejo é uma coisa cega./ Desista, enquanto é tempo.//As mãos não sabem o que pegam,/ os pés vão aonde não sabem./ As cartas estão marcadas:/ vai dar desgraça na certa.// O mundo é sempre a esmo,/ desejo é uma porta aberta./ Desista, que a vida é incerta./ Ou insista. Dá no mesmo."

É cada vez mais surpreendente reler esses poemas, o que parecia bom apresenta-se ótimo: a forma, a musicalidade, a bossa de quem sabe onde e como toda palavra funciona.

"Horácio no Baixo (Odes I, 11)" é outra beleza:

"Tentar prever o que o futuro te reserva/ não leva a nada. Mãe de santo, mapa astral/ e livro de autoajuda é tudo a mesma merda./ O melhor é aceitar o que de bom ou mau/ acontecer. O verão que agora inicia/ pode ser só mais um, ou pode ser o último –/ vá saber. Toma o teu chope, aproveita o dia,/ e quanto ao amanhã, o que vier é lucro."

O autor também tem poemas a respeito do fazer poesia, "Oficina" traz 5 obras sobre a questão, como o soneto "I", do qual transcrevo o fragmento inicial:

"Escrever, mas não por ter vontade:/ escrever por determinação./ Não que ainda haja necessidade/ (se é que já houve) de autoexpressão".

E, a exemplo de "Horácio no Baixo (Odes I, 11)", há outra maravilha sobre o como nada é do jeito que se imaginou, "Pós":

"Antes era mais fácil – sim, porque era/ mais difícil, havia mais em jogo,/ e o tempo todo se jogava à vera./ Precisamente: mais difícil, logo// mais fácil. Porque sempre se sabia/ de que lado se estava – havia lados,/ então. E a certeza de que algum dia/ tudo teria um significado.// E nós seríamos os responsáveis/ por dar nomes aos bois. Havia bois/ a nomear, então. Coisas palpáveis./ Tudo teria solução depois.// Chegou o tempo de depois? Digamos/ que sim. E no entanto os nomes dados/ não foram, nem um só, os que sonhamos./ Talvez porque sonhássemos errado.//"

Faltam duas estrofes, ausência-sugestão de leitura para quem ainda não leu a obra-prima Formas do nada.


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