Pimenteira
Péricles
olha a pimenteira seca. Não sabe se é a quinta, a sexta ou a
sétima. Há alguns anos, decidiu comprar a planta. O objetivo não
era decorar a cozinha nem cultivar tempero forte. O engenheiro estava
em busca de um bloqueio para o mau-olhado. Foi promovido e tinha a
impressão de despertar inveja.
Há
uma semana que os colegas comentam nos corredores e nos banheiros da
empresa que o Bruno, o superintendente, deve deixar o cargo. Péricles
tem a sensação de que pode conquistar a vaga e, para atingir o
objetivo, precisa de uma nova planta, dessas que filtram energias
negativas.
Bruno
e Péricles se conheceram no curso de engenharia química e
continuaram colegas na pós-graduação. Quase no mesmo período,
foram contratados por uma empresa de biotecnologia especializada na
produção de enzimas. Já nos primeiros meses de trabalho, Péricles
conquistou um cargo de direção. Bruno trabalhou quase uma década
até ser promovido a diretor-geral e, em seguida, a superintendente.
Apesar
da proximidade, cada um avalia a relação de um jeito. Bruno
considera Péricles um parceiro. Péricles enxerga em Bruno um
colega, no caso, um adversário. Na universidade e nos primeiros anos
de empresa, fizeram trabalhos em conjunto. Uma vez em cargos de
direção, os dois davam a entender que, acima de tudo, os fins
justificam os meios.
Jonas,
Cícero, Thomas e outros colegas achavam que Bruno até pensava na
empresa, enquanto Péricles parecia estar focado nos benefícios que
ele, e apenas ele mesmo, poderia conquistar.
Após
anos de competição sutilmente estimulada pelos proprietários, o
que se traduziu em perda de cabelo, aumento de peso e desgaste
emocional para os diretores, Péricles tem a esperança de, enfim,
assumir o cargo máximo da empresa. Um dos acionistas, o doutor
Cláudio, encontrou Péricles num café e comentou que, se for
convocado, ele deve assumir o compromisso. Doutor Cláudio sorriu
antes de seguir por um corredor e deixou Péricles com uma informação
que pode ser tudo e também pode não ser nada.
Péricles
não comentou sobre a situação em casa. Teme que, falando, algo dê
errado. O plano é surpreender com a notícia confirmando o novo
cargo. Por isso segue em silêncio. Mas está aflito e a aflição
faz com que atravesse noites acordado. Dorme, no máximo, por alguns
minutos. Vira de um lado pro outro na cama. A esposa, Miriam,
pergunta se está tudo bem, ele diz que pode ser alguma coisa que
comeu no almoço, ela sugere um remédio, Péricles responde que não
precisa de nada, fecha os olhos e continua sem sono.
Começa
a planejar o que fazer quando assumir a superintendência. Pretende,
inicialmente, convocar a equipe para uma reunião. No discurso, vai
anunciar as mudanças. A empresa terá outro ritmo em sua gestão. O
Ricardo deixará o setor de logística para cuidar dos recursos
humanos. A Paola assume a gerência de produção, enquanto o Tavares
muda de cidade, para supervisionar os estoques do centro-oeste. O
Miguel, o Borges, a Valentina e o Aguiar serão demitidos. Ainda não
sabe o que fazer com o Thomáz, a Sofia e o Thiago. Pretende rever,
reajustar e, dependendo do caso, diminuir alguns salários.
Péricles
fica com a barriga pra cima, abre, fecha os olhos e acredita que a
sua rotina será outra, diferente da atual, em pouco tempo. Não sabe
quanto é o salário de superintendente. Dependendo do valor, a
próxima viagem de férias com a família será para a Ásia.
Mas
isso vai demorar alguns meses pra acontecer.
Antes,
tem outras prioridades. A partir do momento em que sentar na cadeira
da superintendência, compra um carro novo.
Está
com a barriga pra baixo, suando e já tirou o cobertor de cima do
corpo.
Péricles
pretende fazer algo pra aliviar a ansiedade: correr na esteira, nadar
ou tomar remédio. São tantas as providências que nem sabe qual é,
realmente, a prioridade. Uma das metas é reformar a sala onde o
Bruno trabalhou por anos. A cor das paredes, hoje azul, será branca,
quer uma rede pra relaxar entre um compromisso e outro e, se não for
exagero, pode até instalar uma banheira de hidromassagens.
Outro
projeto de Péricles é, após receber o primeiro salário de
superintendente, modificar a imagem. Está pensando em novas roupas,
para o trabalho e para o fim de semana. Quer investir em tratamento
de estética, cuidar da pele, das unhas, do que restou dos cabelos,
da barba e toda semana aparar os pelos da orelha e a sobrancelha.
Numa dessas, faz uma cirurgia plástica para remover o excesso de
gordura da região abdominal.
Péricles
vira de um lado pro outro na cama enquanto pensa se vai ter, ou não,
tempo pra dar conta de todos os compromissos depois da mudança de
cargo. Talvez tenha que dormir menos, mas isso já acontece.
Passa
o dia bocejando, com vontade de deitar. Por recomendação de um
colega, bebe café, chá e refrigerante para permanecer acordado. Mas
continua sonolento durante as manhãs, e mais ainda à tarde.
Também
tem a impressão de que está engordando, ainda mais.
Péricles
sai da cama. Caminha até a sala, senta no sofá, onde fica por no
máximo um minuto. Levanta e vai até a cozinha, abre a porta da
geladeira, olha os produtos e não pega nada. Volta pra sala e, desta
vez, deita no sofá. Olha o teto, fecha os olhos e tenta se
concentrar, apenas, na respiração. Em menos de cinco minutos, já
está no banheiro. Senta no vaso. Espera alguns minutos, mas não sai
nada. Levanta e volta pro quarto.
Deita
na cama, fecha os olhos e, após alguns minutos, de olhos abertos,
volta pra sala. No corredor, tem uma ideia: se beber vinho, talvez
relaxe. Vai até a cozinha, abre a porta de um balcão, onde guarda
algumas garrafas de vinho e, então, repara na pimenteira.
Está
seca. Completamente seca.
Tira
a rolha de uma garrafa, despeja alguns mls de vinho numa taça e, ao
beber, tem certeza de que é invejado pelos colegas. Ainda em pé,
coloca mais vinho na taça e faz um brinde:
—
Ao meu futuro! O cargo do Bruno será meu!
Após
beber quase todo o vinho da garrafa, volta pro quarto. Estava com
vontade de acordar a esposa e dizer pra ela que a pimenteira secou de
vez pelo fato de ele ser invejado, muito invejado, pelos colegas. Mas
Péricles deitou na cama e, imediatamente, dormiu.
E
seguiria dormindo por horas, pela primeira vez desde que ambiciona a
superintendência.
Miriam,
a esposa de Péricles, acorda e lembra que gostaria de dizer ao
marido que um especialista em botânica contou pra ela que a
pimenteira deve ser exposta ao sol diariamente por quatro horas e, se
receber água em excesso — Péricles insiste em regar todo dia –,
a planta pode secar.
Mas
ele estava dormindo e, por isso, ela ficou feliz, não o acordou e
nem contaria o que aprendeu para manter viva aquela espécie de
planta que — deve ser a quinta, sexta ou sétima vez que o marido
compra — está morta na cozinha.
Conto publicado originalmente no meu livro Finalmente hoje,
lançado em abril de 2015, pela Tulipas
Negras.
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