A arte de escrever diálogos

São treze contos curtos, ligeiros, que se deixam ler num par de viagens da casa para o trabalho. O que se narra é o cotidiano de uma grande cidade, a vida que passa num sopro, o realismo áspero deste início de século, a ilusão de que quanto mais rapidamente fazemos algo mais ativos estamos, seja no trabalho, numa etapa nos estudos, num deslocamento, numa tarefa, no exercício do amor e da mundanidade, nas múltiplas interações com os outros. O humor dos contos é apenas aparente, camufla destinos ou comportamentos algo cruéis.
Marcio Renato narra sobretudo aborrecimentos: o de uma garota que espera o amante acordar num hotel, sem ânimo para postar algo numa rede social; a noite de um profissional que se embriaga como se comemorasse mais sua solidão que o sucesso no trabalho; o desaparecimento de um corretor que sabe de sua inaptidão para viver numa grande cidade; o anacronismo de uma banda de velhos amigos roqueiros; a inveja dos amigos de um sujeito que alcança publicar um livro; a entrevista amalucada com um crítico de arte charlatão; a namorada de um ciclista que descobre que não o conhece muito bem. O minimalismo deles lembra Raymond Carver (lembrei várias vezes de um velho filme de Robert Altman baseado nos contos de Carver, “Short cuts”). Marcio sabe escrever bons diálogos e quando é descritivo foca no que realmente é fundamental na história. Eu, mais velho e mais pessimista que ele, chamaria esse livro de “Os desajustados”, porém “Mais Laiquis” talvez seja irônico na medida certa para identificar o bom livro que é.
Serviço: “Mais Laiquis”, Marcio Renato dos Santos, Curitiba/PR: editora Tulipas Negras, 1a. edição (2015), brochura 13×21,5 cm, 80 págs., ISBN: 978-85-917171-1-8
Resenha de Aguinaldo Severino publicada no blog Livros que eu li e republicada na coluna do Aroldo Murá.

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