Exploradores do abismo

Cristiano Castilho enfrenta a descoberta do universo adulto a partir de um olhar que deixa de ser infantil. Mellissa R. Pitta problematiza a impossibilidade de existir. Daniel Zanella encara o medo de amar. Dédallo Neves flerta com a morte.
Castilho, Mellissa, Zanella e Dédallo sobrevoam as águas do abismo, respectivamente, nos contos “Alvorada”, “Da falta de existir”, “Noite em Antônio Maria” e “A morte crônica”
Apesar de produzirem individualmente os seus relatos inventivos a respeito do assombro que é viver, eles seguem juntos, ao lado de outros 12 autores, 16 ao todo, nas 136 páginas do Livro dos novos, coletânea de contos publicada pela Travessa dos Editores.
A obra, organizada por Adriana Sydor, reforça a tese: o Paraná é o Estado do conto – independentemente da vasta produção poética local, poucos (pouquíssimos) poetas são expressivos; romancistas nativos se impõem, mas ainda timidamente.
O Paraná, ou com mais precisão: Curitiba é reconhecida literariamente por causa da obra de quem? De Dalton Trevisan, o contista, lido e premiado na província, nacionalmente e também no exterior.
Do pioneiro Newton Sampaio (1913-1938) aos contemporâneos Jamil Snege (1939-2003), Manoel Carlos Karam (1947-2007) e Wilson Bueno (1949-2010), o conto – sobretudo por causa da obra do Vampiro de Curitiba – vingou no Paraná. Os recentíssimos Carlos Machado, Luci Collin e Assionara Souza seguem renovando o gênero.
O Livro dos novos, por sua vez, mostra – e prova – a força do conto ao abrir espaço para autores de 20 a 30 anos nascidos ou radicados no Paraná, muitos dos quais leitores de Sampaio, Snege, Karam, Bueno, Machado, Luci e Assionara. A maioria, seguramente, influenciada pela prosa do Dalton.
Um dos destaques da coletânea é Felipe Franco Munhoz. “No ringue de Hemingway” é tão bem escrito que pode sugerir que o texto se fez por si mesmo, tamanha é a habilidade de Munhoz, escritor que revela maturidade na escrita literária.
Renan Machado demonstra domínio narrativo em “Residência dos Passos”, conto no qual a tênue fronteira entre sonho e realidade se funde. Em “Como fumaça”, Rodrigo Araújo afronta o absurdo do politicamente correto com uma proposta literária que praticamente sugere o consumo do tabaco – fato que merece aplausos, não pela quase apologia ao tabagismo, mas por rir da caretice do nosso tempo.
Impressionante é a participação de Walter Bach. “Híbrida companhia” é um conto que destoa de todos os outros, principalmente por não seguir a cartilha do chamado texto bem escrito. Há um ziguezague narrativo, uma aparente falta de controle de quem narra, o que se traduz em frases incomuns e inventivas com as quais o autor trata do sobrenatural.
Os estreantes reunidos nesta antologia exploram o abismo por meio do conto e, devido à publicação – com projeto gráfico, impecável, assinado por Clarissa Martinez Menini –, se inserem no mapa literário. A coragem da Travessa dos Editores que, na contramão do mercado, investe e fomenta o conto, deve ser ressaltada, da mesma maneira que merece atenção o talento de Felipe Kryminice que, no conto “Trago”, ao invés de uma madeleine, tem no conhaque uma porta de acesso à memória rumo ao tempo perdido – momento memorável do Livro dos novos.


Serviço: Livro dos Novos. Organização: Adriana Sydor. Curitiba: Travessa dos Editores, 2013. 136 páginas. R$30. Avaliação: Ótimo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Livro sobre o skate no Paraná será lançado durante a 42.ª Semana Literária Sesc & Feira do Livro, em Curitiba