A engenheira da memória
Hoje tem A
engenheira da memória (Caravana, 2021), do Pedro Carrano:
Conheço o Pedro Carrano há mais de 20 anos, e desde os
primeiros encontros era possível imaginar que ele viesse a escrever um livro
tão bom como A engenheira da memória.
Leitor, questionador, dedicado à escrita, Carrano já publicou
outros títulos, instigantes etc e tal, nenhum com a potência dessa narrativa que
revela amplo repertório, maturidade e sofisticação de linguagem.
A engenheira da
memória acontece durante a viagem do protagonista, o jovem Estefan, e sua
companheira, Tamires, por alguns pontos da Europa – eles saíram do Brasil no
início da pandemia, desiludidos com o país.
E apesar dos deslocamentos pelo mundo físico, em que há
contato com outros modos de viver, parte significativa da viagem de Estefan
será pelo seu universo interior.
O conflito com o pai é tema recorrente, não apenas do
personagem Estefan, mas no imaginário de Carrano – a temática aparece em outras
narrativas do autor, por exemplo, no primeiro conto de Meninos sem matilha (Kotter, 2019).
Em A engenheira da
memória, a questão talvez venha a definir, e a consumir, o protagonista.
Algumas frases confirmam a hipótese, como no início da página 25:
"No pai está a fundação de todos os conflitos de um
homem.".
Na página 77, outro fragmento reforça essa linha de
raciocínio:
"'A ausência do pai marca tudo, é a cratera que, ao
mesmo tempo, me preenche', foi a frase que escutei, numa roda de conversa
literária, em um café em Lisboa.".
Outra obsessão do protagonista é a presença e posterior
ausência de Leocádia, a Léo, com quem seu pai passou a viver após tornar-se
viúvo.
Um dos momentos de excelência (não o único, é
imprescindível afirmar – além de outras temáticas) de A engenheira da memória está no fragmento em que o narrador faz conexões
entre a sua madrasta, amiga e uma obra icônica das artes visuais:
"Léo nua, pela primeira vez eu olhava de perto a boceta,
os lábios entreabertos, Léo peluda, o desejo ardente me invadindo sem pedir
licença naquele dia da década de 90, e agora, eu diante da pintura de Coubert
[A Origem do Mundo]".
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