Contos que retratam o agora

O Sérgio Tavares escreveu resenha de A certeza das coisas impossíveis, meu sétimo livro de contos, confira:

Marcio Renato dos Santos é, sem dúvida, o mais contemporâneo contista em atividade.
Sua literatura não se presta a transitar pelo território da memória, entrando por rotas de um passado em que viveu ou um em que todos vivemos, e sim armar um dispositivo para retratar o agora, transportar para o universo ficcional os assuntos e as discussões que dominam a ordem do dia.
Foi assim com Mais laiques, de 2015, coletânea regida pelas transformações que as redes sociais produziram no comportamento humano e nas inter-relações pessoais.
A certeza das coisas impossíveis, seu mais recente livro, reúne 11 breves narrativas pautadas por temas como representatividade de gênero, empoderamento feminino, justiçamento e aparição dos críticos de ocasião.
O texto do autor curitibano é sempre limpo, sem maneirismo ou firulas linguísticas, dotado de um controle flexivo que se molda intuitivamente à oralidade.
É curioso que muitos cronistas trabalham seus textos com uma sofisticação que lhes conferem a qualidade do conto, enquanto Marcio Renato toma o caminho inverso, concedendo leveza às suas narrativas de modo a ganharem a límpida naturalidade da crônica.
O personagem é sempre o elemento condutor. A partir de seu ponto de visão, o enredo se desenvolve por cenários externos, mesmo quando provém de um curso mental.
Assim acontece em “De volta a Malecón”, o conto de abertura. Mara, uma transexual, perambula pela cidade à beira, buscando referências em diversas expressões artísticas para reconstituir uma vida de afetividades e aventuras sexuais.
“Mágica no absurdo”, o melhor e mais complexo, coloca o dedo na ferida ao tratar do representante de um frigorífico que tem de lidar com uma campanha publicitária baseada no empoderamento feminino. O texto, recheado de sugestões e momentos expositivos, traça um embate entre a canalhice e o socialmente correto, numa situação estapafúrdia que mira no uso de uma bandeira política para arrematar segundas intenções.
“Amanda” encontra-se nessa mesma chave. A personagem-título conduz sua rotina medíocre por meio de convicções extraídas de impressões de filmes alugados numa locadora próxima ao apartamento onde mora. A ocorrência de algo trágico revela a falta de sensibilidade que se dirige ao infortúnio alheio.
Outros contos abordam o machismo, a violência contra a mulher e a fragilidade moral, chegando ao fim com “Tenho pistola, pistolão”, sobre um indivíduo que sai pelas ruas de Curitiba exterminando pessoas pobres, no que chama de “fazer a limpeza da cidade”.
Entre a crítica e uma espécie de absurdidade prosaica, Marcio Renato se consagra um autor que não busca um rótulo temático, mas firmar uma obra na qual a arte da escrita se vira feito uma antena para seu tempo, estabelecendo sinais de conectividade com a malha social.
Publicado em A Nova Crítica.

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