Joana

Renato Faustino fecha, abre os olhos e tem a impressão de não estar sonhando. Está no resort. Desde que viu as fotos num site de viagens, faz três, quatro anos, decidiu que iria conhecer o local. Só não sabia como. Hoje está onde tanto desejou se hospedar. No térreo do bangalô tem piscina, há uma banheira no quarto e o mar fica a poucos passos. Olha no visor do celular: nem oito horas. Vira o rosto e vê, ao lado, Joana. Ele está com vinte e um. Ela tem mais de quarenta, quase cinquenta anos.
Joana faz apliques de botox no rosto e, por causa disso, desde o primeiro encontro Renato tem a impressão de que ela parece ter trinta e poucos anos. O David, o Lucas, o Dusi e outros amigos dele perguntaram: é
balzaquiana? Reparando com atenção, o bigode chinês e os pés de galinha sugerem que Joana teve trinta e poucos anos há algum tempo.
Ela tem, exatamente, quarenta e sete. Daqui a algum tempo, talvez ainda neste ano, não menstrue mais. Nunca mais. Hoje está menstruada e, para Renato, a situação não é ruim. Possivelmente não vai ter sexo. Para Joana, todo dia é dia. Renato Faustino também é chegado, mas um detalhe dela quase acaba com o tesão dele. O hálito.
Joana escova os dentes, a língua, usa fio dental, vai ao dentista, mas quando abre a boca, o cheiro — na definição de Renato — é desestimulante. Ele não sabe se Joana tem algum problema no estômago ou
em outro órgão. O hálito sugere que alguma substância está podre ou que alimentos se decompõem.
Renato Faustino pretende, sempre que possível, oferecer vinho, espumante ou uísque para Joana nesses dias de folga. Com bebida, o hálito dela se torna um pouco mais agradável. E Renato gostaria que essa viagem, a primeira deles, fosse lembrada, por ele e até mesmo por Joana, se não inesquecível, ao menos como uma experiência interessante.

Renato Faustino está no quarto ano do curso de Letras. Joana é proprietária de uma loja que vende perfumes em um shopping, de uma importadora de vinhos e de um posto de gasolina.
O primeiro encontro deles foi num bar. Cada um estava com a sua turma. O cantor tocava uma canção do Djavan quando eles trocaram olhares. Ela diz e ele confirma: houve atração imediata. Estavam bêbados e
não aconteceu nada na primeira noite. Mas na manhã seguinte transaram. Sempre que é possível, o casal prefere transar às nove horas para celebrar o horário da primeira vez.

Joana ainda dorme. Renato Faustino está com vontade de sair do bangalô e caminhar pelo resort, mas desiste. Senta em uma cadeira com vista pro mar.
Ela ronca e esse som, o hálito e algumas marcas do tempo no corpo da empresária incomodam o estudante de Letras.
Renato Faustino tem dúvidas sobre o relacionamento.
Joana não.

Ela ganha por dia o que ele teria de trabalhar um mês pra receber, se já estivesse formado. No início do relacionamento, Renato Faustino levou um susto com o preço de um jantar e de uma ida a um motel. Ele estuda em universidade pública, os pais ajudam, mas o dinheiro é pra beber cerveja, pra rodízio de pizza ou cinema em shopping quando tem desconto.

Joana conhece a situação financeira dele e diz não se importar. Antes do Renato Faustino, conheceu outros homens, a maioria com independência financeira e as experiências não foram agradáveis. Ela não está preocupada se o companheiro tem, ou não, dinheiro. Herdou do ex-marido, morto há dez anos, um dos negócios. Os outros empreendimentos foram construídos com a herança dos pais. Joana conta para as amigas que deseja Renato do jeito que ele é.

Numa noite, o casal saiu pra balada com Paulo e Monique, parceiros comerciais de Joana. Ela colocou dinheiro no bolso e na carteira de Renato Faustino, além de ter depositado uma quantia em sua conta corrente. No momento de pagar a conta, Joana insistiu, Renato Faustino passou o próprio cartão de débito e se surpreendeu: havia saldo.
Desde o início do relacionamento com Joana, Renato Faustino diz para os colegas que vai abandonar a faculdade. Ou, pelo menos, mudar de curso. Sabe que as perspectivas financeiras de sua futura atividade profissional são limitadas, por exemplo, em comparação com a renda da namorada.
O estudante de Letras não considera a hipótese de viver ao lado da empresária por um longo período, mas convivendo alguns meses com Joana já percebeu que ter dinheiro pode ser muito bom.
Atualmente passa os olhos em um ou outro capítulo dos livros que os professores comentam em sala de aula. Antes, fazia questão de ler tudo ou o máximo possível. Desistiu de publicar o livro de poemas. Releu a versão mais recente e sabe que apenas desabafou, em forma de soneto, haicai ou verso livre, o mal-estar de um tempo anterior à Joana. Até apagou os textos postados em blogs. Renato Faustino analisa que tudo o que escreveu antes de conhecer a empresária não faz sentido.

Joana vira o corpo com as costas pra cima e ronca.

Renato segue olhando o mar e lembra que precisa decidir se vai ou não viver com Joana. Um dos inconvenientes é que, diferentemente dele, a empresária gosta de gatos e tem cinco no momento. Outro problema, para o estudante de Letras, são os jantares que ela realiza toda semana, frequentados por amigos e clientes — o ideal, para ele, seria conviver apenas com Joana. Fora isso, há o conforto e …
— Amor, vem cá!

Renato Faustino levanta da cadeira, anda até a cama, fecha os olhos e, sem alternativa no momento, vai.


Marcio Renato dos Santos é autor dos livros de contos Minda-au (Record, 2010), Golegolegolegolegah! (Travessa dos Editores, 2013), 2,99 (Tulipas Negras, 2014), Mais laiquis (Tulipas Negras, 2015), Finalmente hoje (2016) e do recém-publicado Outras dezessete noites (Tulipas Negras, 2017) — obra da qual este conto, “Joana”, faz parte. Nasceu e vive em Curitiba (PR).

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