O bom espírita
— Ai,
Boneco!
— Que
foi, Boneca?
— Está
doendo.
— Mas
você gosta, não gosta?
— Assim
não.
— Que
nada!
— O
quê?
— Tá
fazendo manha!
— Você
está me machucando!
— Nada
a ver.
— Está
sim.
— Mentira.
Boneco
se movimenta com mais intensidade e ejacula. Sai da cama, vai no
banheiro e pega o celular.
— Tudo
bem, Boneca?
— Estou
sangrando.
— Sério?
— Machucou!
— Isso
passa.
— Você...
— Vou
postar uma foto do nosso gatinho.
— O
quê?
— Sim,
no Face.
— Está
louco?
— Não,
postar foto de gatinho rende likes.
— Não
acredito.
— Também
preciso postar umas frases.
— Frases?
— Sim.
— Por
quê?
— É
a minha missão.
— Missão?
— Já
sei. Vou escrever que aquele que pratica o bem coloca em movimento as
forças da alma. E que, quando os espíritos recomendam a prática do
bem, eles estão nos orientando no sentido da própria evolução.
— Porra,
Boneco.
— Ei,
controle a língua!
— Que
merda.
— Não
fale palavrão, Boneca.
— Por
quê?
— Atrai
coisas ruins!
— Que
bobagem.
— O
quê?
— Você
me machuca e fica posando de gente boa.
— Mulher
pouco evoluída...
— Vá
à merda!
— Já
sei. Vou postar um recado pra você.
— Pra
mim?
— Durante
uma suposta crise, não se deixe abater. Suporte a provação sem
reclamar. Aceite!
— Cínico!
— Não
grite. Antes, abençoe. Fique em silêncio e deixe estar.
— Seu
merda!
— Você
deveria agradecer por todas as dificuldades.
—
Agradecer?
— Não
fossem os obstáculos, você estaria na mesma.
— Boneco,
quer saber de uma coisa?
— O
quê?
— Vá
pra puta que te pariu!
— Você
vai ver o que é bom!
Boneco
pula em cima da Boneca. Ela não quer, diz que não, mas ele insiste.
Após
alguns minutos, Boneco ejacula e sai de cima da Boneca. Boneco tem um
metro e noventa e cinco centímetros, usa tênis 44, a calça é 46,
a camisa, GG, mas o pau tem menos de oito centímetros. Menos de oito
centímetros quando atinge uma ereção.
Boneca
contaria pras amigas que as relações sexuais com ele, Boneco,
sempre foram mais ou menos.
O
Boneco, quem diz é a Boneca, fazia sexo com violência, mas ela
quase não sentia.
Um
dia, ele disse que ia colocar só a cabecinha. Daí, enfiou.
— Pedi
pra colocar mais, meter tudo. E não é que ele tinha colocado tudo e
parecia ter enfiado apenas a cabecinha?
A
Boneca, depois do fim da relação, analisa que ficou com o Boneco
por comodismo.
Trabalhavam
na mesma empresa, a Boneca era chefe e ganhava mais que o Boneco.
Fora isso, ele estava livre, ela também e, uma noite, saíram. Ela
bebeu vinho, ele, água.Transaram e, em seguida, começaram a se
encontrar fora do trabalho.
— Ficamos
por não ter coisa melhor pra fazer.
Mas
ela sempre enfatiza que casar, ter filhos, não estava em seus
planos.
— A
trepada era ruim. A conversa mais chata ainda.
Depois
de um tempo, tudo se desmanchou.
— Só
não lembro exatamente quando.
Ele
casou com outra colega de trabalho, batizou o filho com nome de um
papa e continua postando no Face fotos de gatinhos e mensagens
espíritas.
Boneca
se arrepende do envolvimento. E repete que nunca o elogiou.
— O
pau dele foi o menor que conheci.
Boneco
diz que a ex era, e ainda é, apaixonada por ele, e que a trocou por
uma mulher de verdade.
Conto
publicado originalmente no meu livro Finalmente hoje (Tulipas Negras,
2016), em março deste ano.
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