Enviar uma carta


O plano era enviar a carta antes de entrar no trabalho. Então, dois senhores, por causa do benefício da idade avançada, são atendidos com prioridade. Anderson tem vinte minutos pra despachar a correspondência. Uma mulher, com mais de sessenta anos, entra na agência e também é atendida antes dele. Anderson confere o horário e pensa que, se aparecer mais um idoso, tudo pode atrasar.
Outras pessoas iriam entrar na agência — pelo menos, dez ou vinte, pouco mais novas, pouco mais velhas que Anderson, naquela manhã, com quarenta e cinco anos. Essas dez ou vinte pessoas, alguns homens, outras mulheres, ficaram atrás dele na fila. Outros, idosos, também chegaram e foram atendidos antes de Anderson e daqueles que não tinham carteira de idoso ou mais de sessenta anos.

Então, após ficar em pé durante trinta, quarenta minutos, caminha até uma cadeira, e senta. Não lembra de ter retirado senha. Talvez, pensa, já não faz diferença perder a vez. Suspira. Fecha, abre os olhos e tem a impressão de não estar na agência do correio. Há caixas eletrônicos, escadas rolantes, parece um banco.
Sentado, Anderson se dá conta de que já deve ter passado o horário de entrar no trabalho e, como não encontra o celular, não pode avisar os colegas. Mas, lembra, adiantou tarefas e, portanto, mesmo presente, não teria o que fazer no escritório.
E a carta que iria enviar? Onde está?
Anderson procura nos bolsos da calça, da camisa e do blazer. Nada.
— O próximo?
Segue até o guichê. Está numa agência bancária.
— Senhor Anderson, tudo bem?
— Tudo.
— Em que posso ajudar?
— Sabe...
Anderson conversa com a funcionária do banco, Mônica, o nome está escrito no crachá. Faz um comentário a respeito da economia, arrisca uma piada sobre si mesmo, pergunta as horas, diz estar satisfeito com o atendimento e se despede.
Senta na mesma cadeira onde estava antes de ser chamado e tem a impressão de que esta foi a primeira vez em que não percebeu a passagem do tempo ao esperar e, coincidência, nesta vez não tinha nada a fazer nem o que falar com a pessoa do atendimento.
Já entrou numa agência bancária para pagar uma conta, recebeu a senha 117, o painel eletrônico anunciava a vez para a senha 32 e esperou por mais de quatro horas — idosos chegavam e a preferência era deles. A situação, com algumas variáveis, se repetiu, não lembra quantas vezes.
Anderson saiu do banco e está em pé. Agora, espera para atravessar uma rua. Mas o movimento não para. São carros, motos, ônibus, caminhões, vans, até bicicletas. Não há faixa de pedestre. É preciso aguardar. Mais um pouco. Talvez não por segundos, e sim por minutos, muitos minutos. Uma hora?
Está, faz quase uma hora, na padaria. Apenas uma pessoa atrás do balcão, idosos são atendidos com prioridade e a vez de Anderson não chega. Pretende levar sete pães, duzentas gramas de queijo e de presunto.
— O pão de queijo é fresco?
— Saboroso!
Quem está na fila conversa.
Às vezes, sem interlocutor.
— Hoje o dia foi pesado.
Há quem cante.
— Hoje é amanhã, e amanhã ninguém sabe.
Anderson segue em silêncio. Saliva, olha pras coxas de uma mulher, pra bunda de outra, pros peitos de uma terceira, e ainda falta muito?
Há mais de dez, vinte, pelo menos trinta pessoas na frente de Anderson. Já despachou a bagagem, duas malas e, daqui a pouco, o avião decola.
— Não poderia entregar a carta pessoalmente?
Anderson não sabe, mesmo, onde deixou a carta, nem para quem escreveu. Se o endereço do destinatário coincidisse com o ponto de chegada do voo, resolveria, enfim, aquilo que pretendia fazer quando acordou.
Saiu dos sonhos do mesmo jeito que vai agora, sem saber para onde está indo. Os passos não são firmes, indecisos, apenas tocam o chão e o impulsionam pra frente.
Tem início o serviço de bordo, Anderson bebe água, olha pela janela e está azul, e não cinza, como estava no momento em que o avião decolou. Se fosse escrever uma carta, quando o avião ainda estava no aeroporto, confessaria estar com medo, medo do avião não subir. Agora, a dez ou doze mil metros de altura, está mais calmo. Talvez, no momento do avião aterrissar, volte a sentir medo. Mas, até lá, pretende pensar em outras coisas.
Não pensa em nada e o avião já aterrissou. Anderson não sentiu medo, talvez estivesse pensando em algo ou, então, se distraiu. Levanta e tem uma fila pra sair. Depois, outra espera, pela bagagem. Em seguida, olha pro chão enquanto não chega o táxi que o levará até um endereço que ele não sabe ao certo onde é.
Seguindo a sugestão de um desconhecido, caminha até uma sala e senta em uma cadeira. Anderson olha pros lados, abre e fecha os olhos. Está, de novo, na agência do correio onde foi enviar uma carta antes de entrar no trabalho. Mas, tem a impressão, há outras pessoas no atendimento e, uma delas, uma mulher, olha pra ele e diz:
— Pode vir, senhor.
Anderson olha pros lados, pra trás.
— É o senhor mesmo, pode vir. É a sua vez.
Sente dificuldade pra levantar e, enquanto caminha, vê a imagem refletida num espelho. As roupas parecem de outra pessoa. O rosto também. Os cabelos estão todos brancos, usa óculos e segura, em uma das mãos, um envelope com a carta que pretendia despachar. Na outra mão, há uma bengala.


Conto publicado no meu no livro Finalmente hoje (Tulipas Negras, 2016), que em março deste ano já circulava.

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