Florência


            O editor solicitou resenha do livro Supercool. Trinta dias. Li. Reli. Li uma terceira vez. E me sinto sem condições de comentar a obra. O que vocês vão ler, isso se alguém passar os olhos nessas linhas, é mais uma evidência do meu fracasso, da minha inaptidão para entender e analisar o que chamam de literatura.
            Não sei se é romance, novela ou conto extenso. Cento e dez páginas e na ficha catalográfica a palavra ficção. De modo que deixo em aberto o gênero deste livro publicado pela Uqbar Edições em março de 2013.
            Supercool trata do percurso de Florência, portenha, filha de argentinos, que fez a vida no Brasil. Não está escrito o nome da cidade, mas não é megalópole como São Paulo ou Rio, e sim outra capital com características de província, distante das decisões políticas e de onde o dinheiro circula no país.
            Não sei se isso é recomendável, mas como falar do livro sem resumir o enredo? Peço, desde já, perdão, desculpas, a você, eventual leitor, leitora, mas vou revelar o que está escrito em Supercool.
            O livro, de Jorge Hernandez – outro erro meu, só agora, no quinto parágrafo da resenha, me lembrei de mencionar o autor; mas vamos em frente. A obra, enfim, mostra a ascensão de Florência em um contexto letrado. Mesmo sem nunca ter lido um único livro, ela se apresenta como leitora, e os outros, quase todos os muitos personagens, acreditam em seu discurso.
            A protagonista de Supercool consegue emprego em uma emissora de televisão e em uma revista para comentar livros, os quais não leu. Florência se torna referência no que diz respeito à literatura: é convidada para escrever em um jornal.
            Evidentemente, não sei se está evidente, mas – então – saliento: não gostei de Supercool. O entorno de um meio literário de uma cidade provinciana, foco do autor, não me interessa. A leitura sugere, pelo menos para mim, que Jorge Hernandez dedicou energia em excesso para retratar e, mais que isso, desmascarar uma – para ele – farsante.
            O equívoco maior do autor, entre tantos erros, foi temperar a sua escrita com raiva, ódio e ressentimento. Não sei se a protagonista foi construída a partir de características de alguém do mundo real. Tudo levar a crer, tenho quase certeza disso, que Hernandez tentou se vingar de uma pessoa – sublimada em personagem literária. E, não sei se uma resenha comporta tanta confissão, mas confesso que simpatizei, demais, com a Florência.
            A personagem vinga, apesar de não ter, em tese, conhecimento nem aparente chance de prosperar. E, isso é hipótese que elaborei, não algo que está dito, no máximo insinuado no livro: Florência vence no meio letrado provinciano porque os escritores, os jornalistas, os editores e os supostos leitores daquele contexto não leem. Afinal, ela comenta livros que não lê, inventa enredos, linguagem e cenários, e nenhum outro personagem contesta o que a heroína de Hernandez diz e escreve.
            Florência é, no mínimo, ousada.
            Eu não devia, sei disso, mas devo acrescentar algo a respeito do enredo – o que vai sabotar a surpresa de quem eventualmente seguir pelas páginas do livro. O desfecho de Supercool faz da obra, na minha opinião, um projeto literário imprestável. O narrador informa que Florência só conseguiu êxito por ter feito pacto com uma entidade sobrenatural e, em troca de fama e dinheiro, teria cravos no nariz e halitose incuráveis até o final da existência. Mais. Teria de usar roupas de aqualoucos e chapéu da Oktoberfest.
             Não entendi por que usar roupa de aqualouco e chapéu de Oktoberfest. Tenho a impressão de que Jorge Hernandez quis fazer alusão a alguma pessoa que ele conhece, e que usa roupa e chapéu semelhantes. Com isso, reforço, caros leitores: evitem a obra, é uma perda de tempo, semelhante ao ato de ler esta resenha.

Texto publicado na página 63 da revista Ideias (Travessa dos Editores), edição de abril de 2013.

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