Selim


            O cicloativista é, acima de tudo, um panaca.
            Rodolfo pensa na ideia que rende uma frase de efeito e traduz o que ele pensa. Mas o advogado não quer enunciar nem escrever. Ele está apaixonado por Ana, com quem passou a noite do último sábado. Ela é uma mulher que – de fato – para o trânsito. Ana é fotógrafa, participa de marchas e, mais que tudo, gosta de circular sobre duas rodas.
            O sonho do cicloativista é se tornar um quadrúpede.
            Rodolfo ri ao elaborar a frase que concebeu durante caminhada por uma ciclovia. O advogado se deu conta que, sobre uma bicicleta em movimento, uma pessoa parece buscar – com as mãos – o contato com alguma superfície. Isso equivale a dizer, raciocina Rodolfo, que a posição de um sujeito que pedala se assemelha a de um quadrúpede ou de um humano que fica de quatro.
            O cicloativista é e só pode ser um babaca.
            O advogado teme que Ana desconfie que ele considera os amigos dela, e ela também, babacas. Eles trocaram poucas palavras. A fotógrafa ativista não sabia da existência de Rodolfo até o início da noite do sábado mais recente. Se encontraram em um bar no qual é permitido que as pessoas consumam cerveja nas calçadas – em pé ou sentados – a céu aberto. É ponto de encontro de gente tatuada, homens de barba, bigode e regata, mulheres com saia, discurso pronto a respeito de mobilidade urbana, discussão em redes sociais e pet shop.
            Todo cicloativista é um egoísta.
            A rima de “cicloativista e egoísta” incomoda Rodolfo, mas ele se preocupa – de fato – com o próximo encontro com Ana. Eles conversaram, minimamente, mas o que aconteceu foi uma noite de prazer. Trocaram beijos, afagos, fluidos e os números de telefone. Ela ainda não escutou ele discursar sobre mobilidade urbana. Rodolfo acredita que o cicloativista é um equivocado por – em geral – se tratar de um sujeito que mora próximo aos locais onde precisa ir, trabalho, escola e bar, e ainda faz barulho reivindicando benefícios. Diferentemente de trabalhadores – costuma comentar o advogado – e pessoas que vivem em locais distantes de quase tudo e que de bicicleta não conseguem ir a quase nenhum lugar.
            Um cicloativista é, mais do que qualquer outra coisa, um fascista.
            Se Rodolfo verbalizar o que pensa quase o dia todo, todo dia, Ana não olha nem fala com ele. O advogado acredita na tese “cicloativista é fascista” por observar ciclistas repetindo comportamento de motoristas – principalmente desrespeito, e alguma violência – contra pedestres. Ele também vê cicloativistas circulando sobre calçadas e, nas ruas, bicicletas na contramão atrapalhando a fluência do trânsito, a provocar acidentes.
            O cicloativista é um equivocado.
            Rodolfo sabe que as suas ideias não vão ao encontro das de Ana e, devido a isso, a relação deles – que ainda não começou – pode não ter continuidade. Os olhos deles se cruzaram, os corpos, se encontraram. Por algumas horas. O advogado quer telefonar para a fotógrafa. Mas ela não vai atender. Neste momento, Ana desligou o celular. Ela tem um outro homem deitado em sua cama. É Fabrízio, um militantes de causas emergentes. Ele pedala. E diz desprezar o que define como “confraria dos tolos”, o sistema de produção do mundo contemporâneo — universo no qual Rodolfo, e o que Rodolfo representa, é uma peça — para Fabrízio, Ana e outros cicloativistas — descartável. 

Conto publicado na página 57 da revista Ideias, edição 135, janeiro de 2013, já em circulação na cidade de Curitiba e no litoral paranaense.

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