Big bang



         Abro os olhos, meu corpo está na cama, o teto, ali em cima, e talvez o que eu sonhei tenha sido um sonho, apenas um sonho. Ontem não bebi, mas nos dias e noites anteriores, vinho misturado com cerveja fizeram eu perder a noção, agi sem controle e aqui estou.
         Ao acordar na quinta, ou foi na quarta? — ou ano passado?, pulei da cama e segui até o quarto onde fica o computador. Estava ligado e, em segundos, conferi o facebook. Não, eu não havia postado nada, nenhum comentário ofensivo, observações difamatórias nem calúnias em feitio de piada. Sentei na cadeira, suspirei.
         Semana passada, ou em agosto?, também acordei com a sensação de que eu havia feito alguma postagem que me traria problemas. Saí da cama e segui até o computador. Entrei no facebook e tinha mais de uma ofensa a um sujeito que considero pulha, outros comentários depreciativos a uma mulher com quem já tive alguma relação e mensagens agressivas direcionadas a pessoas e empresas.
         Até agora, nada. Ainda não sofri as consequências das palavras que soltei na internet, mas o que de fato me incomoda é um cheiro, do que será?, em minhas mãos. O que fiz?
         Deprimido eu não estava, talvez confuso, quem sabe, contrariado. Mais que tudo, com vontade de falar para uma repórter de televisão, ao vivo, que essas pessoas que seguem marchas, todos eles, ou a maioria, são uns ingênuos. Não. Otários. Isso mesmo, otários.
         Quase todos os que seguem marchas são otários por serem ingênuos e se deixarem enganar. Seja a da maconha, a das vadias, a da berinjela, a dos poetas sem poesia, a dos noiados a favor do contra, essas marchas têm a finalidade de promover um, dois, três, quatro sujeitos, os que as promovem e se autopromovem.
         Queria dizer na televisão, ao vivo, eu até gritaria, para esses ativistas pararem de marchar. Que cada um voltasse para a marcha dos invisíveis de todo dia, e só.
         Também gostaria de mandar um recado para os chatos que fizeram da bicicleta uma causa — evidentemente para a autopromoção. Deixem as bicicletas em paz. Bicicleta é uma bicicleta é uma bicicleta é apenas uma bicicleta. Vão ler, ouvir música, ler outra vez, fazer música, escrever, andar de pedalinho, ler de novo, raspem os bigodes, não façam nada, leiam, tomem banho, lavem suas roupas, troquem as calcinhas e parem de tentar fazer da bicicleta um tanque de guerra.
         Ainda não falei nada disso até agora. Mas fiz outra coisa. Será que fiz mesmo?
         De substâncias que podem sofrer processo de explosão liberando gás, pressão e calor em curto espaço de tempo não conheço nada. Já transei estalinho, e só. No que diz respeito à pólvora, o meu limite são os traques, esses de palito de madeira, estopim, parafina, enxofre e papel kraft.
         Mas era sonho, ou não?, e eu estava na Rua XV, quase na Boca Maldita. Um aparelho similar a um controle remoto nas mãos, aperto o botão e bum, bam, pum, pam, não lembro do som, nem se alguém morreu, se houve feridos — polícia, bombeiros, pessoas a seguir na direção do prédio que desabou. A setecentos metros, pouca gente na rua e pude estacionar a van em frente à última joalheria que permaneceu no centro, não carreguei tudo, nem foi necessário.
           Meu nome, agora, é Philip, os preços estão ótimos aqui na França e talvez eu faça uma visita a Curitiba, por que não?, se o sonho não terminar, mesmo com esse cheiro, de pólvora?, e a sensação de que, daqui a pouco, haverá outra explosão.

Ficção publicada na página 59 da edição de novembro de 2012 da revista Ideias, da Travessa dos Editores.

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