La dolce vita

— O trabalho foi inventado pra evitar, ou adiar, brigas entre o casal.

A frase pronunciada pelo Gadu fez com que olhares se voltassem para a mesa onde estávamos sentados. O meu conhecido, de mais de 50 e menos de 60 anos, seguiu com a sua argumentação em voz alta.

— Marcio, se você ficar com a sua companheira o dia todo, vocês se enjoam.
— Mas...
— Não tem mas. É fato. O ser humano inventou o trabalho pra sair de casa e evitar conviver com a companheira ou companheiro.
— Gadu, e quem trabalha em casa?
— O sujeito enlouquece e antecipa o fim do casamento.

O Gadu não deixa o interlocutor falar. Às vezes, pergunta e ele mesmo responde.

— Marcio, o negócio é trabalhar apenas pra evitar a briga com a companheira.
— Mas...
— Sabe de outra coisa? Bom mesmo é não trabalhar.
— Você...
— Trabalhei por um breve período. O suficiente pra me tornar rico e abandonar as baias e o cartão-ponto.
— É...
— Marcio, trabalhar não está com nada. Não gosto do trabalho nem de quem trabalha.
— Mas você...

O Gadu deve considerar a minha interlocução mera pausa, no máximo uma vírgula, pra ele seguir discursando. Não há diálogo. Apenas o monólogo – dele. Hoje o Gadu começou a falar sobre o universo do trabalho porque, em uma mesa ao lado, três casais brindavam o começo do ano útil. Os vizinhos de mesa pediram chope e iniciaram uma conversa a dizer, ufa, viva, o carnaval acabou e o país, enfim, deu início às atividades. O Gadu permaneceu por alguns minutos em silêncio; eu estava quieto a beber vinho. Então o Gadu pronunciou a primeira frase, na qual garante que o trabalho tem como objetivo evitar brigas entre casais por separar os cônjuges durante oito horas, e as pessoas da mesa ao lado pararam de falar.

— Marcio, você deve saber, eu não tenho amigos que trabalham.
— Eu trabalho, Gadu.
— Você é exceção.
— Gadu...
— Sabe, Marcio, gosto é de viver a vida. Meu negócio é velejar segunda ou terça-feira, por exemplo. Se o sujeito trabalha, não tem como me acompanhar. Então, risco o nome da figura da minha agenda.
— Mas Gadu, em muitos casos, se o sujeito não trabalha, nem consegue sobreviver...
— Marcio, qual é a tua?
— A minha?
— Sim, Marcio. O trabalho não está com nada. É sobre isso que eu falo. Já tive de trabalhar, mas sei, todos sabemos, trabalhar não é bom. O negócio é o recreio, o intervalo...
— Gadu...
— Marcio, trabalhar é perda de tempo. E precisamos de tempo pra viver, pra tudo, pra...
— Gadu...
— Sou rico por que não trabalho ou é por não trabalhar que sou rico? Sabe a resposta, Marcio?
— Eu...
— Sou rico porque uso a cabeça. Sou rico porque não passo parte do dia fazendo tarefas, sou rico porque sou genial.
— Mas...
— Mas eu falava, Marcio, que o trabalho foi feito pro casal não brigar, e isso é sério. Eu caso, descaso, mas sempre fico fora de casa a maior parte do tempo. Tenho duas casas.
— Duas casas?
— Exato, Marcio. Eis o segredo de um relacionamento.
— É a receita para um relacionamento?
— Exatamente, Marcio. Passar muito tempo sem ver a companheira. Por que se não, já viu.
— Gadu, posso fazer uma pergunta?
— Claro?
— Você está casado?
— Não. Por quê?, Marcio.
— Por nada.

Crônica publicada na edição 125 da revista Ideias, março de 2012, da Travessa dos Editores. Ilustração de Marciel Conrado. Link da crônica da página da Ideias: http://tinyurl.com/7dppcwx

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