Inconveniente

O falsificador desistiu de me vender suas produções. Inclusive, não há mais espaço para quadros nas paredes do meu apartamento.
Recentemente, o sujeito — entre outras solicitações — passou a pedir dinheiro emprestado. Emprestei mais do que deveria, ele disse que paga quando puder, mas sei que dificilmente vou recuperar aqueles dezesseis, dezessete mil. E ainda sugere outras transações.
Mês passado, ou retrasado?, o falsificador me encontrou em um café, e disse: Que surpresa boa! Desconfiei que estava me seguindo, atento a hábitos, entre eles o de eu frequentar um café após às dezoito horas. Desconfiei porque imediatamente após me cumprimentar, o sujeito tirou uma fotografia de dentro de um envelope e perguntou o que eu achava.
A foto era de uma mulher sorrindo.
Ele queria saber se eu pegava. Respondi que não sabia. Perguntou uma terceira, uma quarta, uma quinta vez, insistiu até eu dizer se a mulher era interessante e eu confirmar que, sim, pegaria a mulher. Então, contou que a mulher da foto era a sua esposa.
Nas semanas seguintes, o falsificador me abordou no café e apresentou fotos de uma prima, de sua irmã, de amigas, de uma tia, de artistas, de modelos e até de sua filha. Apesar de eu nunca ter solicitado esse tipo de serviço, ele me pareceu um cafetão sem constrangimento em destacar as qualidades de seu casting, e deu a entender que poderia facilitar os encontros em sua casa.
E, em todas as abordagens, pediu adiantamento.
Evidentemente, recusei as propostas.
O falsificador ainda quis saber se eu estaria interessado em transar com ele. Seria sexo pago, com a vantagem, segundo ele mesmo, de que a experiência ficaria, de fato, apenas entre nós dois.
Tive vontade de mandar o sujeito à merda, mas apenas ri e disse que não estava interessado na proposta.

Passo, então, a frequentar outro café no final das tardes com o objetivo de não ser incomodado pelo falsificador.
Mas, na sexta-feira da semana passada, ele aparece no local, senta em uma cadeira ao meu lado e pede um macchiato. Pergunta se eu poderia indicar clientes, ou com mais precisão: “pessoas com poder de compra”.
Amigos, conhecidos e até desafetos me procuraram, telefonaram ou enviaram mensagem por e-mail. Queriam saber quem era o falsificador e reclamavam de eu ter indicado seus nomes para um sujeito que, mais do que vender quadros, pedia adiantamento e até se insinuava sexualmente.
Foi necessário pedir desculpas a alguns conhecidos, já os amigos fizeram piada. Mas, se eu soubesse que o falsificador seria tão insistente nas abordagens, teria sugerido que ele procurasse o Atômico e o Mínimo, dois indivíduos que não escondem de ninguém que me odeiam. Poderia até insistir para o falsificador entrar em contato com o Tatibitati, criatura desprezível que já me prejudicou excessivamente.

A chegada dos policiais, ontem à noite, alterou todo o cenário. Fui conduzido a uma delegacia, inicialmente sem entender o que acontecia. Não ofereci resistência e somente horas após o começo do rebuliço me dei conta de que eu era um dos suspeitos de assassinar o falsificador, morto com cinco ou seis tiros em uma situação a respeito da qual eu não sabia nada, mas também não soube dizer onde estava no horário da aparente última cena de um sujeito, acima de tudo, inconveniente.


Conto inédito publicado na Revista Ideias de novembro de 2018. Ilustração de Vitor Mann.

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