Chernobil
Chernobil
tenta, mas não consegue. Outro funcionário de uma fundação, onde
ela insiste em cobrar por um serviço não prestado, não cede à
insistência da, é lamentável usar mas a palavra é essa mesma,
chantagista.
No
passado, ela pressionava e conseguia, especificamente, dinheiro.
Emplacava projetos, mas, na realidade, seu objetivo sempre foi
o cachê, e apenas o dinheiro, e não movimentar ideias, pessoas e
transformar o estado das coisas, como repetia em discursos, prefácios
e textos publicados em orelhas e contracapas de livros ou em jornais
e revistas.
Durante
vinte, trinta anos, Chernobil foi um nome e uma presença no circuito
cultural. Inventou uma trajetória nesse cenário a partir de
performances bem avaliadas nas camas de e com professores
universitários, escritores e sujeitos influentes que, além do poder
de influenciar, também eram leitores interessados em cinema,
visuais, literatura, sexo e vinho.
Um
professor universitário, mais conhecido pela barriga proeminente do
que por pesquisas ou produção acadêmica, apaixonou-se por ela e
conseguiu que Chernobil fosse nomeada professora e, a partir da
nomeação, a então jovem começou a se tornar o que de fato viria a
ser: Chernobil.
Nos
últimos dois, três anos, sem falhar praticamente nenhum dia, ela
usa o Facebook para manifestar sua indignação. Faz postagens
condenando pessoas públicas, personalidades que, em seu
entendimento, apresentam comportamento inapropriado e aproveitam suas
funções para construir imagem, prospectar negócios e, enfim,
aumentar o patrimônio.
No
entanto, a mesma Chernobil, no período em que atuava como
professora, obrigou alunos e alunas a pesquisarem temas que a
interessavam e usou o conteúdo para, ela mesma, produzir artigos
acadêmicos, alguns deles veiculados em livros que organizou e, por
meio dos quais, vendeu projetos e aumentou suas aplicações
bancárias.
Chernobil
começou a perder espaço na medida em que seu corpo acusou sinais da
passagem do tempo. Desde então, recorreu continuamente a operações
plásticas e botox, entre outras interferências. Mas, sem o
esplendor e a exuberância naturais, os sujeitos que favoreciam seus
projetos a trocaram por outras jovens, cada vez mais jovens, e nada
mais foi fácil, profissionalmente falando, para Chernobil.
O
que garantiu e garante uma sobrevida no mercado com raros mas, enfim,
alguns convites e cachês foi o fato, inequívoco, de Chernobil ter
reescrito a história de personalidades, diminuindo e por fim
excluindo fracassos, ao mesmo tempo em que fez com que covardes
passassem a ser cultuados como heróis.
Os
descendentes desses heróis acreditam e se apegam à versão, mas a
comunidade leitora, especialmente após o advento da internet e à
facilidade de acesso à informação, tem cada vez menos fé nas
palavras e nas atitudes de Chernobil.
Apesar
da decadência, ela ainda consegue enganar, não, encantar uns
sujeitos, poucos mas eles existem, que se apresentam como
intelectuais, consumidores de livros preguiçosos que não leem nem
prefácios e/ou orelhas. Leitora, Chernobil digere, processa e
reprocessa informações, pesquisas e conteúdos alheios. A partir
desse repertório, convence uma pequena plateia inculta que, ao ouvir
uma palestra mesmo informal da ex-professora, tem a impressão de que
está diante de uma usina de ideias, sem se dar conta de que
Chernobil é um desastre, uma espécie de acidente nuclear,
atualmente inofensiva, mas que já prejudicou e poluiu excessivamente
o ecossistema.
Conto publicado na revista Ideias, de setembro de 2018, com ilustração de Vitor Mann.
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