Resenha de Asa de sereia
Uma parte
da região central de Curitiba cresce, ocupa espaço e quase ofusca os outros
elementos de Asa de sereia
(Arquipélago Editorial: Porto Alegre, 2013), o mais recente livro de Luís
Henrique Pellanda (em foto de Rafael Dabul). A rua Ébano Pereira, o entorno da Biblioteca Pública do
Paraná e as praças Santos Dumont e Generoso Marques são, basicamente, o
território por onde o cronista circula e, em alguma medida, a principal matéria-prima
para os seus textos.
Mas a
geografia da província é apenas cenário, elemento periférico na proposta
literária do autor. Isso fica evidente após a leitura de cada nova crônica que
surge nas páginas de Asa de sereia.
Pellanda não é apenas mero pintor de retratos urbanos. Ele é, também, um
elaborador de frases. Para conferir, basta escolher ao acaso qualquer crônica.
Em “Rei de
Curitiba”, de repente, o narrador dispara: “qualquer osso, vocês sabem, é mais
vital que a dignidade humana”. Mais que uma frase, é um tiro de canhão que
desestabiliza quem lê.
Na crônica
“A indiferença da luz”, mais do que apresentar um palhaço aparentemente inútil,
o cronista surpreende na última frase: “Que a escuridão os fertilize”,
referindo-se a pétalas de rosa que o personagem escondeu na cartola em meio a
uma cabeleira de fios de lã. Em “Chega por hoje”, a voz que narra decreta: “a
Saldanha Marinho é uma espada nua”, em alusão a uma rua do centro da capital
paranaense, onde, à noite, caminhar representa – sem exagero – risco de morte.
É possível seguir
por 59 crônicas e identificar, principalmente, as frases certeiras e as
referências a pontos reais de Curitiba. Então, aparecem “O espírito da fera” e
“O terceiro namorado”: não são crônicas, e sim contos. Talvez, esses dois
textos sejam o ápice de Asa de sereia.
“O espírito
da fera” e “O terceiro namorado” se destacam, principalmente, por não
apresentarem citações a locais curitibanos e, mais do que tudo, por não
conterem frases – surpreendentes – que se sobrepõem a outras em meio à
narrativa: todas as frases dos dois contos são surpreendentes. Esses dois
contos problematizam, e evidenciam, a presença do mal, que – inclusive – “não
precisa de oxigênio para sobreviver”.
Os dois
textos de prosa inventiva remetem ao contista Pellanda que estreou com O macaco ornamental (Bertand Brasil: Rio
de Janeiro, 2009) e, talvez por contraste, jogam luzes e – incrivelmente –
valorizam ainda mais todos os outros textos de Asa de sereia.
As crônicas
de Pellanda, é importante ressaltar, são diferentes. De praticamente tudo o que
é escrito e publicado por aí. O mundo que ele apresenta – ambientado em
Curitiba, às vezes nas areias da praia de Guaratuba, a partir de frases
espetaculares – é só dele.
O cronista
abre e fecha Asa de sereia com duas
crônicas a respeito de pássaros. Em “A garça e o meteorito”, a primeira, ele –
Pellanda – é cenário para quem tem asas e voa. E na última, “Sabiá enterrado
vivo”, o autor revisita outros cronistas e oferece aos leitores uma proposta
literária que não cabe aqui revelar o que é, e sim aplaudir, de pé, em pé.
Serviço: Asa de sereia, de Luís Henrique Pellanda. Arquipélago Editorial:
Porto Alegre, 2013. 208 páginas. R$ 35. Avaliação: Excelente.
Resenha publicada originalmente na revista Ideias, 147, edição de janeiro de 2014, com o título "Pellanda na arrebentação".
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