Noturnos


Voltei a caminhar pelas ruas à noite quando os táxis desapareceram. Seguia pedestre por quase toda a cidade escura em outros tempos. Antes, lá, não parecia haver tanto obstáculo nem perigo.

Agora tenho uma carteira com cartões e algum dinheiro no bolso. Estava no bar e bebi duas, três, no máximo quatro cervejas, comi uma porção de fritas e um pastel. Paguei a conta com uma nota de cinquenta. Sobraram alguns reais para o táxi. Mas, depois da meia-noite, nenhum táxi circula nas ruas da cidade.

Telefonei para uma cooperativa e, quarenta minutos depois, o carro não apareceu. Uma segunda e depois uma terceira empresa também prometeram localizar – e encaminhar – veículos, mas nenhum táxi surgiu na porta do bar. Após outras duas cervejas, saí. A pé.

Venci dez quadras. Faltam muitas, não sei quantas, pra chegar em casa. Há luz pelo caminho. Dos postes, das lâmpadas dos apartamentos, nas casas. Passam carros, poucos. Só não encontrei, até agora, nenhuma outra pessoa.

Sigo por uma rua até então desconhecida, atravesso uma praça e, ao entrar em uma avenida, me dou conta da presença de três, quatro sujeitos. Procuro manter a mesma frequência controlando a respiração.

Se eles me abordarem? Vou negar que tenho carteira, cartões e dinheiro. Se me revistarem? Vão encontrar o que eu disse não ter. Posso perder a vida?

Por que não tem mais táxi à noite na cidade? Há algum toque de recolher? Ou os motoristas estão reservando os carros para quando a Copa do Mundo chegar?

Deve haver clientes – eu, por exemplo.

Escapei daquela situação, dos três, quatro sujeitos, e estou em outra rua – já se passaram algumas noites desde o último trajeto bar-apartamento. Agora, chove. E não reclamo por estar com as roupas molhadas: melhor assim, não encontro ninguém.

Passei a consultar a previsão do tempo depois que os táxis desapareceram. As noites de chuva, de fato, são as minhas preferidas. O retorno, em geral, é tranquilo. Mas às vezes para de chover e, nesses casos, o risco aumenta.

Um mero retorno pedestre para casa pode, de repente, se transformar em um 11 de setembro pessoal. Exagero? Evidentemente que não.

Tiro, facada ou sequência de socos e chutes – uma ação criminosa pode colocar um ponto final em minha trajetória e isso, mesmo apenas contra a minha pessoa, é uma tragédia, um outro 11 de setembro – pelo menos é assim que penso.

Estou próximo a um terminal de ônibus e observo quatro homens. Eles não me veem. Começam a brigar. Talvez dois contra dois. É isso? Paro. Não vejo mais ninguém na rua. Uma voz sugere que eu me abaixe.

Pou. Pou. Dois tiros. Um daqueles homens caiu. Mais pou, pou, pou. Outros três disparos e um segundo homem, agora, também está no chão.

Sobrou apenas uma bala?

— Ei, você.

Os outros dois estão vindo em minha direção e acho que, desta vez, não escapo. Ou posso dar um jeito e fugir daqui, desse pesadelo que se repete toda noite desde que os táxis desapareceram da cidade?

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Noturnos foi publicado originalmente na edição de julho de 2013 da revista Ideias, publicação mensal da Travessa dos Editores. 

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