Hotel Marina


            Saravá. Mergulho no mar. Atravesso a onda com desejo de que o tempo possa virar. Estou fora da água, pra lá, pra cá – pulo ondas. Bebo um gole de espumante, e Marina ali, na areia.
            Eu tinha trinta e poucos naquela temporada? Ou quarenta? Foi o verão ao som do Teló?
            A risada de Marina e o meu olhar. Diziam que éramos almas gêmeas. Juntos, até a Roberta repetia, Marina e eu, eu e Marina tornávamos tudo mais bonito.
            Na primeira manhã daquele ano, acordei na cama de Marina. Vimos a queima de fogos, nos beijamos na areia. E seguiríamos juntos manhãs, tardes, noites e madrugadas.
            Mas ela tinha compromisso. Toda noite. Marina e Roberta ganhavam a vida proporcionando prazer ou – com mais precisão – algum alívio aos clientes. Perfumadas, com pintura no rosto, sandálias, bermudas ou saias e camisas, eram a atração daquele comércio noturno.
            Marina e Roberta. Na realidade, se apresentavam como Roberta e Marina. Cantoras de churrascaria. Naquela temporada, assumiram o palco de uma pizzaria que faturava com rodízio de massas e cervejas encorpadas.
            Itapema? Não. Foi no Balneário Camboriú? Ou em Florianópolis? Por que não lembro, com precisão, onde passei quarenta dias com aquela mulher que vendia CDs segurando um microfone que parecia estar desligado?
            Os olhares masculinos se voltavam para Marina, mas Roberta sustentava as apresentações, com voz envolvente, além de acionar bases gravadas das canções em um pequeno teclado.
            Elas tinham gravado oito, nove álbuns, cada um com cinco, seis canções próprias e outros dez, onze sucessos conhecidos em todo o país. Além de beber água, entre uma e outra música Roberta perguntava: e o pessoal do Rio Grande do Sul? Então, mandava uma do Gaúcho da Fronteira. Aplausos, e a noite seguia.
            Dez, onze da manhã era o horário de acordar. Do meio-dia às cinco, areia. Deu praia na maior parte dos dias, e passeamos de banana boat, barco pirata e até parasail.
            Em dezembro, antes daquelas férias, comprei dez frações de um bilhete da Loteria Federal, e ganhei. Duzentos e cinquenta mil reais. Viajei para o litoral de Santa Catarina sem fazer reserva, nenhum plano. Aluguei apartamento de frente para o mar, o que superava, e muito, meu salário de professor.
            O efeito da cerveja, do vinho, da água de coco, mais a digestão de ostra, fritas e entrecort devem ter abafado meu mau humor e pessimismo permanentes. A Marina ria de tudo que eu falava – o estoque de piadas, gentilezas e elogios durou, com sobra, todo o tempo em que estivemos juntos.
            Cantei pra ela, e ela cantava na pizzaria, pra mim, e para todos os clientes: “Nossa, nossa / Assim você me mata/ Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego”. Quem cantava, de verdade, era a Roberta. Mas isso é detalhe – pra esquecer.
            Se menti? Claro que sim. Ao dizer que gostava dela. Também quando jurei que ela cantava bem e em outros assuntos. Só não a enganava quando repetia que era linda, isso Marina era, e ainda deve ser.
            Me contaram que Marina casou, e Roberta segue solteira. Gravaram mais álbuns e se apresentam em churrascarias. Nossos caminhos se afastaram, e, no meu caso, é bom seguir com a imagem, que aos poucos se dilui, do sorriso de Marina; ela é otimista, como é chegar ao verão com dinheiro, de frente para o mar, sem trabalho, a não ser nos pesadelos, mas, daí, você acorda, o mar a pouco passos, a piscina próxima de seu quarto, o som ligado e: “Nossa, nossa / Assim você me mata/ Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego”.


Ficção publicada na página 55 da edição 136 (fevereiro de 2013) da revista Ideias, da Travessa dos Editores.

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