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Kunter era fundamental, decisivo, para o funcionamento das coisas, de tudo. Ele não frequentava a empresa, apenas os dados bancários, o número do telefone e a sua voz eram conhecidas por poucas pessoas, entre as quais, eu.

            Se era braçal, intelectual, virtual, não sei. Nem a Bia, amante de um dos diretores, ex-esposa do superintendente, que chegava ao escritório antes de todos com informações sobre a movimentação do grupo, nem ela conhecia as atividades do Kunter.

            O meu trabalho era telefonar, para ele, e perguntar se o trabalho, dele, estava pronto — e se o contato poderia pegar a encomenda no local combinado. Só isso. Bóris, um dos coordenadores de ação estratégica, sugeriu que não fosse feita nenhuma outra pergunta, e eu cumpria a ordem.

            No máximo cinco minutos. Trezentos segundos. Geralmente, menos. Esse era o tempo que durava o meu trabalho no mês. Porque o Kunter era monossilábico, respondia sim, sim. Ou sim, não. E também não, não. As conversas por telefone duravam, em média, um minuto, contando os segundos que eu esperava para ele atender e responder, minhas perguntas, com duas palavras.

            Se o Kunter respondia não, não, por não ter finalizado o serviço, e — portanto — o contato não poderia pegar o material, então eu tinha de telefonar outras vezes até ouvir sim, sim. Nesses diálogos por telefone também nos cumprimentávamos com oi e tchau.

            Fora isso, eu passava o resto do mês sem fazer mais nada.

            Nos primeiros dias, após realizar a tarefa, perguntei a um colega de sala, o Lanny, se eu poderia ajudá-lo em alguma atividade, mas ele disse que não.

            Passaram um, dois, três, mais meses, procurei o gerente de recursos humanos, o gestor de ações corporativas e o superintendente de proatividade, e me coloquei à disposição para realizar outras ações, mas todos disseram para eu me concentrar apenas na minha tarefa.

            Na sala onde eu passava oito horas, e nas outras, ao lado, nos andares superiores e nos inferiores, os colegas se movimentavam, alguns a suar, outros reunidos, com o cenho a franzir, e apenas eu com aquela missão, a única durante todo o mês, que se resolvia mais rápido do que beber um cafezinho na cantina.

            Decidi, então, discar números aleatórios para segurar o aparelho de telefone, inclusive simulei conversas, mesmo quando era para escutar mensagens dizendo que este número de telefone não existe. Também permaneci por minutos, às vezes horas, em frente ao computador a digitar textos que eu apagava ou imprimia, neste caso, para em seguida rasgar.

            A representação no escritório me esgotava e, ao chegar em casa, tomava banho, mastigava e engolia algo para dormir no sofá da sala com a televisão ligada — sonhava com o telefone, as ligações, o escritório, o senhor Kunter e não sabia quando estava dentro, ou fora, de um pesadelo.

Ficção publicada na revista Ideias, da Travessa dos Editores, edição de outubro de 2012, já nas bancas.

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