Bloco do eu sozinho



Faz meia década que não viajo em véspera ou durante feriados. O motivo? No último dia de 2007, ou seria de 2008?, tive uma ideia: seguir para o litoral do Paraná. Esqueci que outras muitas pessoas também iriam percorrer o mesmo trajeto naquele momento. Mas faria, tanto que fiz, o possível para pular sete ondas na passagem do ano com roupas brancas.

Aqueles 111 quilômetros nunca, até então, demoraram tanto para serem vencidos. Foram treze horas. De avião, eu teria atravessado o Atlântico. Mas saí de Curitiba dentro de um carro em busca do mar paranaense a ouvir um mesmo CD, que quase derreteu. A temperatura do motor se desregulou diante daquele vai não vai; a fila de automóveis estava, literalmente, devagar quase parando.

Choveu na passagem do ano, choveu no dia seguinte, choveu na viagem de volta, realizada nos previsíveis 90 minutos. Em Curitiba, em meio à garoa, a promessa: jamais, em nenhuma hipótese, sair da cidade nos recessos.

Agora, em janeiro, veja só, não há filas nem congestionamento – Curitiba é outra. É nessa cidade, a de janeiro, e a dos feriados prolongados, que sigo quase a flutuar. Um amigo curitibano passa férias nessa cidade. Ele troca a casa por um hotel, compra postais e os envia para colegas e vizinhos.

A necessidade de manter o cartão com débito, a geladeira com queijos e o estoque na adega inviabilizam percorrer Curitiba nos dias úteis. O fim de semana é insuficiente para circular até na rua onde se vive.

Curitiba tem curvas, sons, túneis e aromas quase secretos. Apenas quando desisti de sair da cidade tive acesso, por exemplo, ao carnaval curitibano.

Durante temporadas ouvi vaias às festas momescas locais e, como um teletubie, repeti apupos. Até que fui lá, vi, ouvi e senti. Em 2009 choveu, ano passado também, mas em 2010 foram sete horas na Cândido.

O carnavalesco curitibano é, antes de tudo, um forte. Afinal, a entrada das escolas é em uma curva, onde também há uma lombada capaz de desequilibrar carro alegórico. São 372 passos da entrada da Assembleia até o prédio da Prefeitura, onde termina o desfile.

Se o tempo para entrar e logo sair de cena é pouco, a força da bateria e a presença do elenco de cada escola podem alterar a percepção do tique-taque dos relógios, e transformam aquele trecho de uma avenida em universo paralelo onde quase tudo pode ser possível. E se a Embaixadores da Alegria desfilasse com um samba-enredo sobre os livros do Wilson Bueno? A Mocidade Azul poderia fazer uma homenagem a Jamil Snege. Os Acadêmicos da Realeza com as bandas de rock da cidade?

A minha fantasia de carnaval curitibano é que todas as escolas se apropriem das obras dos prosadores que atuaram e atuam na cidade para construir os enredos, os carros alegóricos e tudo o mais.

Enquanto isso não acontece, vou no embalo daquilo que há.

Mas, durante o desfile, nem todos seguem como eu, com as duas mãos dentro dos bolsos da calça ou da bermuda. Há quem rasgue a fantasia cotidiana para se apresentar de Backyardigan, Marcelo Camelo, Panicat, Gradisca ou, rá, ié-ié, glu-glu, de Serginho Mallandro.

O carnaval de rua em Curitiba começa e acaba no domingo, mas na manhã seguinte retorno à Cândido de Abreu e, sozinho, contorno arquibancadas para ver como muito se transforma quando a batida do cartão-ponto é suspensa.

Um bruxo recomenda que, no que diz respeito a mulheres e loterias, é preciso insistir; afinal, um dia elas podem ceder. Se os mistérios e segredos de Curitiba não se revelam nos dias e horários úteis, faço o que o bruxo sugere: insisto, principalmente no silêncio dos recessos, em janeiro e no carnaval.


Crônica publicada na revista Ideias, da Travessa dos Editores, edição janeiro de 2012. A ilustração é do Marciel Conrado.

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