Grelina

Primeiro foi um botão, da minha calça, que pulou. Depois, as camisas do guarda-roupa se revelaram insuficientes para cobrir o meu tórax. Em seguida, nem mesmo as meias entravam nos meus pés.

Essas novidades começaram a se materializar em um mês de novembro na metade da primeira década do século 21. Ou faz mais tempo? Não lembro. Recordo que após uma madrugada de sonhos intranquilos, acordei transformado em algo que não encontro definição, mas que algumas vozes dizem que sou eu.

– Que corpo é aquele que vejo no espelho?

Não sabia e ainda não sei responder à pergunta, mas aquele corpo que passei a enxergar no espelho, o mesmo que vizinhos, colegas e parentes diziam que era meu já ocupou menos espaço no mundo.

Há trinta ou vinte quilos menor, eu ainda trabalhava em um escritório na região central e costumava almoçar trezentas e poucas gramas em um Quilo. Num dia de pagamento decidi mudar o cardápio e fui até um shopping. Enquanto mordia, mastigava e engolia uma massa fresca comecei a sentir que, mais que os horizontes, o meu abdômen parecia se alargar.

Essa conquista de território, de mais espaço no mundo, coincidiu, exatamente, com o momento em que iniciei uma temporada de malhação. Me dei conta de que meu braço era fino e resolvi agir. Fiz matrícula na academia do bairro. E foram meses, pouco mais de um ano, de atividades.

Do supino para o pulley. Da remada curvada para o leg press. Do adutor na máquina para a mesa extensora. Da rosca direta para o tríceps. Uma, duas, três semanas, incluindo trinta minutos diários na esteira, e ao encarar o espelho passei a encontrar um modelo do pintor colombiano Fernando Botero.

Tornei-me, então, um ébrio? Não. A insônia é que se fez realidade para mim. E numa dessas aventuras pela madrugada, em um site ou blog, encontrei um texto perturbador. Pesquisa realizada na Universidade Livre de Berlim prova que treino em academia engorda. Dei um google. Outro. E outra investigação, da Universidade da Califórnia, a comprovar a tese dos alemães.

Durante aquela fase de levantamento, e descida, de pesos, um outro fato me fazia franzir o cenho. Às sete horas eu abria a geladeira e o queijo meia cura estava pela metade, meio quilo de presunto de parma e um pernil comprados na noite anterior haviam desaparecido. Armários, despensas e esconderijos de alimentos também registravam baixas nas madrugadas. Curioso. Eu seguia insone, observava o ir-e-vir no apartamento e tinha quase certeza de que ninguém saqueava a geladeira e os outros estoques de embutidos e enlatados. Mas, lembro, eu cochilava por pelo menos trinta minutos.

– Sonâmbulo, tive surtos de glutonia pantagruélica?

Li, então, o estudo da Universidade de Tóquio, e o nó foi desatado: a malhação pode ser engordativa porque deixa a pessoa com fome quando o treino termina. Resultado: o sujeito que malha, e eu era um exemplo vivo, exagera na comida sem perceber.

Ao tomar conhecimento da conclusão do estudo japonês eu já havia abandonado a academia, mas segui, persistente e determinado, com os mesmos hábitos. Continuei a almoçar, sempre que possível, em um costelão, café da tarde na Familiar, happy hour com direito a quatro ou cinco bolinhos de carne no Torto e, para manter a tradição, jantar em Santa Felicidade.

Assim sigo, ou até mesmo, rolo por aí. Fazer o quê? Entre outros fatores, o que me transformou no que tornei tem nome: grelina. Cientistas da Universidade de Viena descobriram que é um hormônio chamado grelina que desperta no cérebro a sensação de fome. Li sobre o assunto em uma revista semanal na fila do supermercado, após caminhar quinhentos metros e, antes de pagar a compra, peguei um pacote de Ruffles, quatrocentas gramas, está servido?

Crônica publicada na página 46 da edição 121, de novembro de 2011, da Revista Ideias, da Travessa dos Editores.

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