Na ponta dos dedos


Estamos no consultório médico ou em uma poltrona de avião. Ainda há tempo. O médico se atrasou, o voo decolará em breve, e temos um jornal ou uma revista nas mãos. Já lemos outros jornais e outras revistas, mas seguimos com esses papéis diante de nossos olhos. O time mais cotado da cidade perdeu o jogo. O bairro mais glamuroso do balneário alagou com as chuvas. Lemos as notícias, nem todas até o fim, e nos perdemos, entre as linhas, nas fotos, nossos olhares são seduzidos pelos anúncios e, principalmente, pelas nossas unhas.

Sim. Eu, tu, ela, nós, vós eles, todos passamos a maior parte do tempo olhando, não para estrelas, mas para as nossas unhas.

Ao caminhar, na esteira da academia, ao redor do lago do parque, da cama até a cozinha, quantas vezes uma pessoa olha para as mãos, para as unhas? Pesquisa recente, realizada por um instituto de reputação inquestionável, garante que, em um minuto, ou seja, durante 60 segundos, uma pessoa pode olhar pelo menos seis vezes para as unhas. Seja homem ou mulher, jovem ou não, principalmente se a pessoa estiver calma. Durante uma crise ou diante de um problema que exige solução rápida, o sujeito é capaz de passar os 60 segundos olhando e, dependendo do caso, roendo as unhas.

Por que eu, tu, ele, nós, vós, elas olhamos tanto para as unhas?

Para analisar se já cresceram? Estão limpas? É necessário ir à manicure?

Semana passada começou a ser exibido um documentário, de 120 minutos, a respeito da importância das unhas para a vida em sociedade. A voz do narrador afirmava que a atração entre as pessoas, da amizade ao amor, depende, mais do que qualquer outro detalhe, das unhas. “Não há lógica, há sim atração, como se fosse um aroma, e tem muito a ver com a percepção visual. Pessoas se atraem, e se afastam, por causa das unhas”, dizia o narrador.

Em uma obra de antropologia, que não cito o título por que a capa e a folha de rosto foram rasgadas, e perdidas, está escrito, no segundo parágrafo da página 17, o seguinte: “No passado, durante a evolução do homem, as unhas eram fundamentais, inclusive, usadas como armas em confrontos tête-à-tête”. Já no início da página 256, o texto, que analisa a realidade brasileira, faz saber que: “Durante o século 20, homens, sobretudo os que nasciam em áreas rurais, quando deixavam o campo e se fixavam em regiões urbanas, passavam a cultivar unhas, de até dez centímetros, com a finalidade, simbólica, de mostrar que não usavam mais a enxada.”

Um professor aposentado caminha todas as tardes no Parque Barigüi e, durante o exercício a céu aberto, o acadêmico costuma dizer, em voz alta, que as unhas não têm nenhuma importância. “Olhamos tanto para as unhas porque, na verdade, prestamos atenção em coisas irrelevantes. Eis uma prova de como perdemos tempo na vida”, repete, diariamente, o paulistano, de 69 anos, radicado em Curitiba.

Eu, de minha parte, não tenho opinião a respeito do assunto; apenas registro o que vi, li e escutei. Mas a missão exigiu muitas horas. Esta crônica, confesso, foi escrita durante 21 dias. Não, necessariamente, por que eu tivesse problemas para juntar as palavras (só um pouquinho), mas, como o leitor e a leitora já deduziram, pelo fato de que, nas últimas três semanas, estive hipnotizado por aquilo que está na ponta de meus dedos.

Crônica publicada na edição 117 da Revista Ideias.

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