Curioso, diferente, interessante

Entro no Imperial, ali na José Loureiro, caminho até uma das mesas, sento em uma cadeira e peço uma água mineral com gás. Antes do garçom trazer a bebida gelada, surge uma mulher, não sei de onde, senta em uma cadeira na minha frente, e diz:
– “Um pouco mais de sol – eu era brasa. Um pouco mais de azul – eu era além.”
– Que lindo...
– É de um poema do Mário de Sá-Carneiro, sabia?
– Não...
– Você é o Marcio, não é?
– Sou, sou sim. Como você sabe?
– Sabendo. Eu sou a Paloma, prazer.
– Prazer, Paloma.
– Quer dar uma volta comigo?
– Seria bom, ótimo. Mas eu pedi uma água...
– Com gás, não é isso? Deixe a água pra lá...
– Mas eu fiz o pedido...
– Marcio, vem comigo. No caminho eu te explico.
Caminhando sem saber para onde, segui, ao lado de Paloma. Ela pegou, de um dos bolsos de sua calça, um cigarro, acendeu e perguntou se eu queria. Fiquei com vontade, mas estou sem fumar desde 2009. Recusei.
– Estou tentando parar. Na verdade, parei.
– Não precisa se explicar, Marcio. Não é necessário ficar se justificando...
– Pra onde estamos indo, Paloma?
– Pro túnel...
– Túnel?
– Sim, Marcio. Vamos pro túnel que liga o James ao Wonka.
O quê?
– Marcio, você não sabe que tem um túnel, subterrâneo, que liga o Wonka ao James Bar?
Ficamos durante uns sete minutos sem conversar. Apenas caminhando. Paloma falava muito. Disse que existe um túnel, por baixo do asfalto, que liga dois dos mais badalados bares de Curitiba, o Wonka e o James.
Lembrei, então, de uma reportagem feita pela jornalista Polliana Milan, publicada na Gazeta do Povo, sobre um provável túnel que ligaria um clube à Catedral Metropolitana. “Seria usado no caso de uma perseguição aos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Muito se falou depois da notícia, mas nada foi efetivamente comprovado”, escreveu Polliana, na reportagem.
Quando me dei conta, já estávamos na esquina da rua Paula Gomes com a Duque de Caxias.
– Paloma, que história é essa de túnel entre o James e o Wonka?
– Marcio, você precisa relaxar. Quer uma bebida?
– Estou com sede, Paloma. Mas gostaria de...
- Você precisa de uma bebida forte.
– Paloma, quem te disse que exite um túnel ligando o Wonka ao James?
– Ah, acho que quem me contou foi o Gadu, o namorado da Pulga. Conhece?
– Não. Nunca ouvi falar em Gadu nem em Pulga...
– Bom, não tem importância... Mesmo porque você vai estar dentro do túnel daqui a pouco...
– Eu?
– Sim, Marcio.
– Mas...
– É bem bacana, você vai gostar...
– Mas o que tem lá, Paloma?
– Tem um corredor com muitas salas, e dentro de cada sala tem tanta coisa...
– Por exemplo?
– Numa sala tem show de stand-up comedy e rock-and-roll. Na outra, piscinas de bolinhas. E tem muitos patinetes pra andar pelo túnel...
– Patinetes?
– Isso mesmo. E lá dentro a gente pode fazer quase tudo...
– Quase tudo?
Estamos no Torto, e Paloma pede uma cerveja.
– Marcio, relaxe...
– Mas, Paloma, as pessoas sabem desse túnel?
– Já reparou numa coisa: entra muita gente no Wonka e no James, não entra?
– Sim, tem até a famosa fila do James, por si só, uma balada...
– Já reparou em outra coisa: entra tanta gente, mas pra onde que esse povo vai?
–Nunca tinha pensando nisso...
– Pois é, Marcio...
Paloma bebe um gole de cerveja, olha pra mim.
– Marcio, tem ainda uma outra coisa que eu preciso te dizer...
– O que é?
– Os homens pássaros do espaço vivem dentro do túnel que liga o Wonka ao James...
– Homens pássaros do espaço?
– Vai dizer que você não sabe o que é isso?
– Não, não sei, Paloma...
– Homens pássaros do espaço são os sujeitos que vivem pouco tempo, mas provocam transformações, tipo o Cazuza, o Renato Russo, o Júlio Barroso, o Jimi Hendrix...
– Você quer dizer que esses sujeitos vivem lá?
– Você vai ver, Marcio, você vai ver...
Paloma bebe mais uma dose de cerveja. Pede uma dose de suco de meia com um tiquinho assim de carimbó. Então, começo a me dar conta de posso estar dentro de um sonho.
– Vamos lá, Marcio.
Não respondo, e sigo Paloma. Trinta passos e, ao invés de estarmos na Trajano Reis, o endereço do Wonka, estamos na Praça Benedito Calixto, em São Paulo. Percebo que aconteceu um erro de continuidade, algo recorrente em meus sonhos.
– Marcio, vem ou não vem? Venha, venha, venha...
Acordo, às 6h13, sexta-feira, dia 17, me levanto e vou direto ao computador. Digito com a maior rapidez possível o que sonhei, procurando reproduzir os detalhes com precisão e, em alguma medida, me sinto aliviado, por ter assunto para esta crônica, e também por poder desejar, a você, leitor do Caderno G, um bom fim de 2010 e um ótimo 2011.

Crônica publicada na Gazeta do Povo, no Caderno G, neste sábado, 18 de dezembro de 2010.

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