Risque esta palavra
Hoje tem Risque
esta palavra, da Ana Martins Marques (Companhia das Letras, 2021): Ainda
estamos em julho e, apesar de cinco meses para 2022, desconfio que Risque esta palavra é um dos melhores
livros de poemas publicados no Brasil neste ano. Mais que isso. Risque esta palavra é um dos mais
impactante registros poéticos que apareceu no país há alguns anos.
Risque esta
palavra é tudo isso, e bem mais, por trazer dicção contemporânea que
conhece a tradição e a reinventa com linguagem, ideias e versos surpreendentes.
Até poderia ser, mais que livro, uma antologia: todos os
poemas são os melhores, a começar por "História", em que há uma
descrição inusitada de uma possível biografia (que pode conter dados sobre a
autora): Trinta e nove anos, de manhã ela come um pão ("Ele tem uma
história de 2 dias"), depois sai do apartamento ("que tem cerca de 40
anos"), troca com o vizinho palavras ("de cerca de 800 anos") e
pisa numa poça ("com 2 horas de história/ desfazendo uma imagem/ que
viveu/ alguns segundos".)
"História" é absolutamente, como o Valêncio
Xavier denominava a si mesmo, genial – uma extraordinária maneira de brincar
(jogar) com a existência e seus dados, ilusões.
Outro momento de excelência é o poema sem título da
página 87, louvação a tradutores: "Você se dá conta/ de repente/ de que
muitos dos poemas que ama/ foram na verdade escritos/ por seus
tradutores".
O poema sugere circunstâncias adversas para a tradução,
"escritórios improvisados/ no quartinho dos fundos", a luta por um
pouco de silêncio nas horas vagas e, especialmente, a quase invisibilidade de
quem, quando reconhecido, reinventa e viabiliza a voz alheia: "doutorandos
mal remunerados/ autores de outros poemas/ que você não ama/ debruçados sobre
palavras/ que você nunca vai ler/ e lançando sobre o papel/ novas palavras/ que
se tornarão depois/ suas preferidas".
Espetacular.
O último e quarto capítulo, ou seção, apresenta 14 poemas sobre parar de fumar, todos arrebatadores, da descrição de uma foto de Wislawa Szymborska fumando a "Prometeu", desconcertante texto poético (segue apenas uma estrofe): "O mais belo poema/ da língua (já se disse) é:/ pode me emprestar/ o fogo?".
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