Extroversão pode ser extorsão
Piada não tem necessariamente relação com humor.
A tese, mais do que conhecida, é obsessão da
Aninha. A engenheira química não ri de piada. As piadas, em geral, ela e você
sabem, tentam dissimular racismo, misoginia, discriminações, tantos preconceitos.
A curitibana tem convicção de que humor é outra
coisa. É, entre possibilidades, visão de mundo, crítica. Ela gosta de comentar
que pode ter mais humor em um casmurro resmungando do que nesses sujeitos que,
antes do início da pandemia, pretendiam entreter plateias em clubes de comédia,
churrascos e encontros em que ingerir álcool era obrigatório.
Se o sujeito gosta de contar, conta e ri da própria
piada, neste caso, Aninha destaca, ele merece detenção sem julgamento.
As cinco, seis amigas que estão no Zoom, cada uma
em sua casa, bebendo vinho, todas riem – Aninha continua sem mostrar os dentes,
talvez irritada ou segurando o riso.
Verônica ri, aplaude, diz que a tese é perfeita e
pede licença para acrescentar um detalhe. Para ela, todo extrovertido pode ser
um mal-intencionado e, mais que tudo, inconveniente se contar piadas.
Contadores de piada, define, são extroversão e chatice. Há quem goste dos
tipos, admite, e Alice ri. Mas, Verônica continua o discurso, o extrovertido
piadista revela-se, quase sem exceção, um fardo indigesto.
Giselle diz é isso mesmo, as amigas dão risada, a
Nanda comenta que Verônica sabe tudo, e a Alice avisa que vai falar.
Vocês sabem que lamentavelmente conheço um, dois extrovertidos,
ou mais. Em geral extrovertidos são superestimados, supostamente promissores,
acham que vencem o jogo antes de entrarem em cena, não se esforçam, nem estudam
e tornam-se losers.
Como tem losers, vocês não acham?, pergunta Nanda.
Alice sorri e diz que parece ter aumentado a
quantidade de losers. E, Alice continua falando, gostaria de citar um sujeito
que vocês conhecem, o Dana.
Quem não conhece a figura?, pergunta Alice.
Elas começam a falar, não é possível ouvir o que todas
dizem, e Alice comenta que o Dana é um exemplo do extrovertido, supostamente
promissor, autoconfiante, desconcentrado para ler, ver filme e outros conteúdos
que ampliam o repertório.
Sabem como o Dana está?, Alice pergunta.
Está bem, comenta Flávia, acrescentando que ele dá
palestras e aulas on-line.
Está uma baleia, diz Alice.
Não?!, Giselle reage.
Baleia?, perguntam duas ou três amigas.
É, e na verdade, Alice ressalta, o Dana não está
tão bem assim. Ele é, ela afirma, um desses picaretas que pretendem motivar os outros.
O quê? O Dana é coach?, pergunta Lívia, que ainda
exclama: quem diria, hein?
Alice pergunta: lembram do Dana há quinze anos?
Não há resposta, e Alice observa que não foi só o
Dana que, em sua avaliação, piorou. De acordo com ela, o Cabraiada, o Tui e o
Marajó também tornaram-se contadores de piada, malas-losers. Não tão gordos
como o Dana, pondera, mas igualmente chatos.
As amigas, cinco ou seis, e os mais de dois milhões
da cidade não sabem, mas um apagão vai deixar quase todos sem luz por horas. O
encontro pelo Zoom, para elas, foi interrompido, Aninha não disse, e as amigas
não precisam saber, que a conversa revelou questões que ela, em parceria com
uma cientista social, vai desenvolver em um trabalho acadêmico.
Elas pretendem analisar relações químicas, incluindo inevitáveis disfunções, e o inadequado e disfuncional comportamento de quase todos os extrovertidos, especialmente os que contam piada, as supostamente engraçadas e também as sem graça.
Meu conto publicado na Revista Ideias, em abril de 2021, com
ilustração do Vitor Mann.
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