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Mostrando postagens de agosto, 2019

Tempo

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O tempo voa e morre a cada instante. De tudo o que aparenta eternidade Nem o passado fica, na verdade, E o agora é só um segundo já distante. Futuro é nada mais do que o presente Que aguarda numa fila, e se suicida. A vida que virá já é coisa ida Enquanto a que se foi faz a nascente. O instante, que se mata e vai embora, Em noite se transforma como o dia. Momentos se sepultam a toda hora Mostrando uma verdade que dizia Que a morte não existe – existe o medo De a noite revelar-se ainda mais cedo. Poema de Henrique Rodrigues publicado em  A musa diluída (2006).

Teatro

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Certa noite você me disse que eu não tinha coração Nessa noite aberta como uma estranha flor expus a todos meu coração que não tenho Poema de Ana Martins Marques publicado em  Da arte das armadilhas  (2011).

Poema redundante

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Poema redundante Redundante poesia Versos de redundância Redundante poesia Sinto meus sentimentos Sendo compartilhados e divididos Com todas as pessoas humanas E o animais seres vivos Grito com minha boca Uma canção de palavras Belas e bonitas Compostas e escritas Vejo intensamente Com meus olhos Aquilo que toco Com minhas mãos Beijo com a boca E abraço com meus braços Corro com minhas pernas Piso com meus pés Rio do engraçado Choro do triste Aprecio o bom Desgosto do ruim Como comida Não como não comida Confirmo com sim Desconfirmo com não Isso é isso Aquilo é Aquilo Uma coisa é uma coisa Outra coisa é outra coisa Eu sou eu Você é você Eles são eles Nós somos nós x = x y = y ab = ab x + y – ab = x + y – ab Mas seria redundância dizer Esta seria uma redundante poesia? - Sim, esta é uma redundante poesia Esta é uma redundante poesia (É sim) Poema de Rafael Sperling pub

Percurso

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Em cada ser, repara a dança que, na sombra, prepara a mudança. Em tudo quanto muda, alcança aquilo que não muda na mudança. Poema de Duda Machado publicado em Crescente: (1977-1990) .

Dois poemas da Juliana Meira

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não escrevo procurando ou perdendo pra isso consulto mapa carrego bússola afio   faca // neste poema existem dez desertos num oásis ou quase Poemas de Juliana Meira publicados em Poema pássaro (2015).

O homem e sua sombra

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Uma sombra foi atropelada ao meio dia ao cruzar desatenta uma avenida. Fraturada arrastou-se dali como podia. Engessaram-na. Durante muito tempo seu dono não saía mais à rua – temia travessias. Poema de Affonso Romano de Sant’Anna publicado em O homem e sua sombra (2006).

PROIBIDO PARA INFÂNCIAS

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Sou Peter Pan Na Terra do Nunca Diga Nunca E aqui tudo pode Menos Voar. Poema de Adriane Garcia publicado em Fábulas para adulto perder o sono (2013).

Leminski | 75 anos hoje (II)

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moinho de versos movido a vento em noites de boemia vai vir o dia quando tudo que eu diga seja poesia Poema do Paulo Leminski publicado em Polonaises (1980).

Leminski | 75 anos hoje (I)

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um dia a gente ia ser homero a obra nada menos que uma ilíada depois a barra pesando dava pra ser aí um rimbaud um ungaretti um fernando pessoa qualquer um lorca um éluard um ginsberg por fim acabamos o pequeno poeta de província que sempre fomos por trás de tantas máscaras que o tempo tratou como a flores Poema de Paulo Leminski publicado em Polonaises (1980).

A Eternidade

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Achada, é verdade? Quem? A Eternidade. É o mar que se evade Com o sol à tarde. Alma sentinela Murmura teu rogo De noite tão nula E um dia de fogo. A humanos sufrágios, E impulsos comuns Que então te avantajes E voes segundo... Pois que apenas delas, Brasas de cetim, O Dever se exala Sem dizer-se: enfim. Nada de esperança, E nenhum oriétur . Ciência em paciência, Só o suplício é certo. Achada, é verdade? Quem? A Eternidade. É o mar que se evade Com o sol à tarde. Poema de Arthur Rimbaud traduzido por Ivo Barroso, publicado em Poesia completa (1995).

Curitiba

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Chuva e Curitiba: eis nossa invenção, qualquer desculpa para ficar em casa. O derretimento polar chegou aqui. Vapores frios, a cabeça baixa, a rua úmida. Eu amo essa coisa cinza no quadro da janela. Sinto-me um Kierkegaard à espera da filosofia. O sabor da província é a flecha de Zenão: lépido no universo fazendo a curva sem sair do lugar. Entre você e o espaço, nenhum centímetro de folga. Curitiba nem roupa é – é pele. Poema de Cristovão Tezza publicado em Eu, prosador, me confesso (2017). 

música para indecisos

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a música corta os olhos e transpassa a carne carrega as horas dos indecisos por livros velhos, cidades-labirinto e noites-cinema correspondência de sonhos intranquilos. nas gavetas da memória uma infância barbada e poemas-biscoito no café da manhã com aquela ferrugem que carcome os dentes. doses de pílulas em tecnicolor e em caso de incêndio nas partes íntimas deixar o fogo consumir o resto do corpo. Poema de Demetrios Galvão publicado em Insólito (2011).

poema de plantão

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o poema de plantão nasce assim: roto, esfarrapado, já cansado, coxo faltam-lhe ocos, sobram-lhe dentros é uma massa só, compacta, besta não tem vento, não tem água só tem um sono imenso entre as palavras, não flores e uma trava que lhe fecha os olhos até que dorme, escandescido, aflito então acorda, o poema de plantão já fez sonhar, já esgoelou já contou os poros dos ossos já foi buscar alfazema embaixo dos tapetes já limpou os olhos com pelo de mamute já bebeu ar de envelope sobram olheiras e atravessou-lhe o canto de um cego que fica na outra esquina Poema de Marco de Menezes publicado em Fim das coisas velhas (2009).

Dois poemas da Adélia Maria Woellner

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Conflito Na gangorra do instante, o conflito permanente. Incompreensível Como pode o vazio gritar tão alto? Poemas de Adélia Maria Woellner publicados em Caçador de Estrelas (2018).

Fragmento 6 do poema Teoria do Rascunho

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Um bom poema se reconhece pelo corte do verso às vezes sequer é preciso ler o poema pelo corte do verso sabemos se é bom como ele corta ora uma sentença ora uma palavra como ele ao mesmo tempo corta e é aquele corte o poeta está portanto mais próximo do alfaiate e do açougueiro do que do filósofo Fragmento 6 do poema Teoria do Rascunho, de Daniel Arelli, publicado no livro Lição da Matéria   (2018).

Três poemas do Antonio Cescatto

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A GAVETA DAS MEIAS SEM PAR Meias sem par têm gaveta própria, onde devem ficar até serem resgatadas do exílio. Nesse dia, estiradas sobre a cama, ficarão, uma ao lado da outra, na muda solidão das meias sem par. Caso o pé perdido seja encontrado, a exilada poderá retornar ao conforto das gavetas principais. Caso contrário, terá que seguir seu destino incerto. A gaveta das meias sem par, afinal, precisa ser esvaziada, para que outras meias sem par possam ocupá-la. FRONHAS E TRAVESSEIROS Fronhas devem ser trocadas regularmente. Travesseiros devem ser levados ao sol. Disso depende a qualidade dos sonhos. E a lembrança regeneradora   dos pesadelos. TUDO QUE É SÓLIDO A torneira pinga. O ralo entope. O morango apodrece. A janela não fecha. A porta bate. A lâmpada queima. A cadeira range. A comida esfria. A xícara vira. O chinelo some. O papel acaba. O gás não liga. A persiana quebra.

Olhos ao sol

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A face da lágrima sorrindo no globo de vidro desliza como serpente pelos galhos dos cílios Entre músculos e ossos a névoa de sal líquido cobre a chama que se recolhe Em alguns momentos é necessário arrancar os olhos e secá-los ao sol Poema de Marcos Losnak publicado em Um urso correndo no sótão (2002).

MERCADO DE TRABALHO

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Quando o insuportável começa a virar maré cheia, me pergunto: por que não me tornei a alpinista de empresa escalando os prédios mais altos da Avenida Rio Branco? Quatro anos de Letras, mais dois de Pós em Literatura Portuguesa, o curso completo de inglês no IBEU, não permitem que a mesa do café seja invadida de iogurtes, queijo branco, uvas, kiwi, pêssegos, mamão com mel. Por que não me especializei em alturas? Uma estrofe de cor dos Lusíadas, não é suficiente para o trabalho de Call Center na empresa Silva Lins. Era preciso ter um diferencial na voz. Mas eu disse um verso de Camões. E a menina ao meu lado, estudante de Propaganda e Marketing na Estácio, saia justa, corpo bronzeado de Ipanema, um quê de rouquidão forçado no final das frases, sai com carteira assinada e setecentos reais por mês. Poema de Lila Maia publicado em As maçãs de antes (2012). 

Sem chance de ajuda

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há um lugar no coração que nunca será preenchido um espaço e mesmo nos melhores momentos e nos melhores tempos nós saberemos nós saberemos mais que nunca há um lugar no coração que nunca será preenchido e nós iremos esperar e esperar nesse lugar. Poema de Charles Bukowski traduzido por Fernando Koproski. 

O meu amigo acorda

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O meu amigo acorda O meu amigo acorda, mas não levanta Continua estirado em sua cama Ruminando pesos & culpas Por nesta vida não ter feito nada Digno de nota e orgulho Entre os seus. Mal sabe o amigo Que nestes dias estrelados Em que nada acontece É sempre ele quem primeiro Me acode nas lembranças Com sua multidão de olhos que brilham Pelo imenso da noite fugaz. Poema de Marco Aurélio de Souza publicado em Anjo voraz (2018).