Baixo Esplendor
Hoje tem Baixo Esplendor (Companhia das Letras,
2021), do Marçal Aquino: Faz tempo, já nem sei quanto, eu desejava ler uma
narrativa ambientada durante a ditadura militar brasileira que problematizasse
a questão indiretamente.
Poderia ser uma
novela com a atmosfera daqueles anos. Mas o livro que eu sonhava ler não
precisava atacar-escrachar ou recriar os agentes que provocaram aquele mal.
Eu estava em
busca de uma trama em meio àquela temporada sombria, enredo que, na obra pela
qual eu gostaria de viajar, fosse até mais intenso e envolvente que o contexto,
apesar do contexto.
E o livro se
materializou.
Trata-se de Baixo Esplendor, do Marçal Aquino.
Mais do que
aquilo que é dito, o como se faz a narração é um dos pontos altos de Baixo Esplendor. Se puder, tente lembrar
dos momentos de suspense elaborados por Rubem Fonseca ao narrar crimes, e de
nuances da prosa do Sérgio Sant'Anna, nas memoráveis páginas em que o mestre
das narrativas recriou cenas de sexo.
O novo livro do
Marçal Aquino tem tudo isso e, se é possível dizer, algo mais – e o algo é a
linguagem autoral do prosador que assimila o legado de grandes autores e segue
por trilhas inéditas.
O enredo, para
o leitor, é outra alegria: durante a década de 1970 um policial, Miguel, se
infiltra em uma gangue que rouba cargas, conquista espaço e se apaixona pela
irmã do líder do grupo criminoso.
Além da força
da narrativa, que conduz o leitor pelas 259 páginas, Baixo Esplendor não traz apenas uma excelente aventura.
Esta
experiência literária de Marçal Aquino apresenta, por meio da ação dos
personagens, encadeamentos de situações que mostram, sem explicar, pelos fatos
(e pela linguagem), o que pode provocar ira, desejo de vingança, vontade de
aplausos e outras causas de manifestações humanas – além de descrever com
habilidade incomum a luta corporal, único meio, de acordo com os mestres
Bandeira e Dalton Trevisan, de duas almas se comunicarem:
"Quem já fez amor alguma vez na vida sabe que existem situações em que as mãos, e o restante do corpo (cada poro, na verdade), falam melhor do que a boca, que, assim, fica livre para outras finalidades. Se atracaram no corredor com algo de fome e desespero e se buscaram com fúria".
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