Melhor nadar, Naldo

 

Naldo movimenta os braços, um de cada vez, há sincronia, barriga para baixo, nado crawl, sem bater as pernas.

 

Respira a cada cinco, seis, às vezes de oito em oito ou após uma ou duas braçadas. Para Naldo, respirar não representa dificuldade e ele nem planeja, apenas respira.

 

Se a Sandra estivesse por perto, mas em outro cenário, talvez dissesse que não está cansado, apesar das braçadas. Para a Thaís, também em cenário diferente, poderia comentar sobre a ausência de sede e fome há horas, tanto tempo, tempo que não conta e quase não percebe.

 

Naldo, no entanto, percebe a ausência dos movimentos de suas pernas. Perguntaria a Gabriela, se ela estivesse a menos de um metro, como é possível seguir apenas com braçadas.

 

Mas a Gabriela não daria atenção, o fim do relacionamento deles foi tenso – Naldo a traía com uma de suas melhores amigas, a Melissa.

 

Ontem ou hoje, no sonho de Naldo a Melissa pegou um livro da estante, e ao acordar ele não encontrou a obra que gostaria de reler.

 

Naldo deixa de lembrar o sonho, Melissa e o livro que desapareceu, e segue como vem seguindo. Nado crawl, só braçadas, pernas sem movimento, mas o seu corpo percebe atrito por onde flui, não quer, mas vai perguntar a si mesmo: poderiam ser ondas?

 

Talvez ondas, correnteza, força oponente, resistência, algo provoca atrito.

 

Não sabe nem lembra para onde vai, e apesar dessa falta ou aparente ausência de rumo continua braçada seguida de braçada, respira quando necessário, pernas paradas.

 

Naldo interrompeu algo, tudo, com a Lila, queria, desejava continuar, não deu, choro involuntário – outras situações se revelaram fracasso, apesar do positivo pensamento, Naldo é otimista, muito, já falhou, muito, mas continuou, e continua, mesmo na adversidade.

 

Caminhou, não sabe exatamente quando, na contramão, tantas vezes, mas uma vez Naldo seguiu por onde quase todos desviaram, sozinho sob vaias e ameaças, conhecidos e supostos amigos o cancelaram, outono, inverno, primavera e verão em silêncio, fome e lágrimas para inesperadamente entrar em delirantes e prazerosos enredos.

 

Por exemplo, dezessete dias no balneário, o mar a poucos metros da janela do apartamento, sol, cerveja, vinho, água, peixe, massa, estrelas toda noite, sonho, acordar e água, massa, vinho, peixe, cerveja, sol nas manhãs e tardes, dezessete noites com luar e estrelas, e no décimo oitavo dia a chuva, forças da natureza e a Fernanda colocam ponto final no intervalo.

 

Naldo, as braçadas, lembra que se for necessário pode nadar de peito, costas, só não sabe o borboleta. Prefere o crawl, do jeito que está e, agora, percebe estar de olhos fechados.

 

Abre os olhos e nada, não está em mar, lago, lagoa, piscina, banheira, que nada, as braçadas continuam e Naldo com a barriga para baixo na cama, em meio a lençóis, sobre lençóis de muitas linhas o envolvem suado, sem sunga, nem cuecas, como todos e todas chegam neste mundo – é Naldo, Naldo, Naldo respira.

 

Meu conto publicado na Revista Ideias em maio de 2020 com ilustração do Vitor Mann.


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