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Mostrando postagens de agosto, 2021

O nome disso é uma década

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  Escrevi reportagem sobre a mais recente década e os 10 anos do Cândido , conteúdo especial da 121ª edição do jornal da Biblioteca Pública do Paraná , confira: O nome disso é uma década Busca por inclusão, protagonismo feminino e turbulências no mercado editorial marcaram os últimos dez anos na literatura brasileira, período em que o Cândido existe repercutindo essas transformações Marcio Renato dos Santos A década que teve início em 2011 e chega a 2021 colocou em pauta questões como racismo, machismo, fascismo, sexismo, preconceitos, transfobia e desigualdade social. "Foram anos mais combativos, de denúncia, de chamar as coisas pelo nome, um claro reflexo das convulsões políticas e sociais do país, um movimento de dizer basta", diz Carlos Henrique Schroeder, autor do romance As Fantasias Eletivas (2014). Em circulação desde agosto de 2011, o jornal da Biblioteca Pública do Paraná vem repercutindo debates urgentes e temas incontornáveis por meio de reportage

Enquanto

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  Sete garrafas seguem e Thomas não sabe em que mar cada uma delas está. Mais de vinte cartas já nas mãos de destinatários, centenas de e-mails lidos por interlocutores, confere e, até agora, não há resposta.   Para nenhum vizinho ou voyeur interpretar a movimentação dentro do apartamento como mensagem direta ou não, ao invés de fechar as cortinas, decide – enfim – usar o remédio prescrito pelo Doutor Fausto.   Cada comprimido contém 25 mg de cloridrato de sertralina. Thomas ingere o primeiro de uma caixa com trinta unidades – a medicação deve alterar o funcionamento do corpo, de acordo com o médico, em seis, sete dias.   Mas, antes de o cloridrato de sertralina atuar sobre a serotonina, e aliviar efeitos dos transtornos mentais, o composto químico vai provocar suor nas solas de seus pés.   Thomas sabe que tem algo errado, dois, três, quatro pontos a menos em uma escala de bem-estar de zero a dez, calcula.    Por telefone, o Doutor Fausto recomenda meio comprimido p

Cara de alface

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  Uma mulher passou por aqui, estava tudo limpo, sabe?, tudo, e ela deixou vazar de um pacote areia para gato, que coisa, não é mesmo? Não pediu desculpa, nem falou nada, olhou pra mim, e o olhar dela parecia gritar que eu era a culpada por alguma coisa, por tanto, por muito, por tudo, pode? Fiquei ali, bem quieta, calada, com cara de alface.   Escutei as frases, talvez um parágrafo se fosse para fazer a transcrição, e saí sem entender. Cara de alface? Alface, todos sabem, é a mais insossa das folhas de uma salada. Alface, nem todos têm consciência, mal lavada pode conter parasitas – quanta gente já foi contaminada por meio do vegetal? Alface, nem todos admitem, é o pior item do x-salada, confesse, você sabe disso, alface é o que sobra na mesa se na mesa tem algo além de alface, oh, alface, alface rica em manganês pode prejudicar o funcionamento da tireoide se consumida em excesso, alface que, devido ao seu não gosto, em mais de noventa por cento dos casos impede crianças e adultos

Discurso sobre a metástase

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  Hoje tem Discurso sobre a metástase (Todavia, 2021), do André Sant'Anna: Quase todos os 18 textos tratam diretamente do naufrágio brasileiro. O conto que dá nome ao livro tem uma voz curiosa em entender como chegamos onde estamos – o narrador possui repertório, mas em alguns momentos parece um eleitor do Bolsonaro, plenamente empoderado de estupidez (a ironia do autor é arrebatadora). Questões se repetem (intencionalmente) em quase todos os 14 contos da primeira parte do livro, "O homem". As narrativas discutem o pesadelo em progresso que resultou no Brasil de 2021 – segue um fragmento de "Os melhores do mundo": "O povo brasileiro acha que o governo do partido que o povo acha que é de esquerda foi de esquerda, só porque, durante o governo de esquerda que não era de esquerda, quando os bancos, as empreiteiras, agronegociantes e organizações criminosas em geral bateram todos os recordes de lucratividade, a Nova Classe Baixa Alta que o governo que não

Palestra no escritório do René Dotti | 2018

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Extroversão pode ser extorsão

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  Piada não tem necessariamente relação com humor.   A tese, mais do que conhecida, é obsessão da Aninha. A engenheira química não ri de piada. As piadas, em geral, ela e você sabem, tentam dissimular racismo, misoginia, discriminações, tantos preconceitos.   A curitibana tem convicção de que humor é outra coisa. É, entre possibilidades, visão de mundo, crítica. Ela gosta de comentar que pode ter mais humor em um casmurro resmungando do que nesses sujeitos que, antes do início da pandemia, pretendiam entreter plateias em clubes de comédia, churrascos e encontros em que ingerir álcool era obrigatório.   Se o sujeito gosta de contar, conta e ri da própria piada, neste caso, Aninha destaca, ele merece detenção sem julgamento.   As cinco, seis amigas que estão no Zoom, cada uma em sua casa, bebendo vinho, todas riem – Aninha continua sem mostrar os dentes, talvez irritada ou segurando o riso.   Verônica ri, aplaude, diz que a tese é perfeita e pede licença para acrescen

Toda sorte de azar

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  Por anos Tácito teve a certeza de que, no início, era apenas o som de Robert Johnson. Depois o tudo, para ele, também estava em Eric Clapton sempre blues. Ouviu e sentiu a força em um anônimo que tocava por um, dois, cinco, dez reais na Paulista. Recentemente o fenômeno aconteceu em Curitiba, por segundos, daquele jeito, o único possível.   Mas, evidentemente, as opiniões variam.   Para uns, Bach é o todo, para dois o todo está em Miles Davis ou em Charlie Parker – para três o que há é o canto de Milton Nascimento, Nina Simone e Baby do Brasil. Milhares preferem as canções dos Beatles, outros milhares apreciam o repertório do Queen, centenas e centenas e outras pessoas não sabem se o eterno-maravilhoso foi e é traduzido magicamente por Hermeto Pascoal ou se, de fato, mágicas e eternas são as composições e o canto do Nei Lisboa.   Coincidentemente, Tácito ouvia uma canção do Nei Lisboa quando, por telefone, foi demitido da banda da cantora Xaxim. A artista cancelou todos os músicos qu

De manutenção

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  O futuro, Janaína diz, o futuro são acasos que funcionam, verbos conjugados exemplarmente, futuro é o ainda não, sim do amanhã, teto mesmo que não seja cobertura, mas proteção e o enfrentamento sereno de adversidades, futuro é o que vai, o que pode e também um tanto sei lá. Ela fala essas e outras coisas sóbria e quando bebe nas noites de quinta a sábado, e domingo, madrugadas de nascer segunda.   A semana começa e Janaína flui – secretamente tem a certeza de que o depois traz muito a ser desfrutado, colher lilases e tantos presentes na véspera de cada noite. Acender e tragar vinte ou mais cigarros de tabaco em meio a uma ou duas garrafas de tinto seco argentino sem desgaste para o organismo, uma dieta com papaia, triglicerídeos italianos, o suco de azeitonas da Espanha e canções inglesas do século vinte, sem restrição a overdrives e/ou reverbs.   O futuro é depois e sem alternativa Janaína caminha nesse terreno chamado presente, onde não tem nem faz aquilo que deseja ou gost

Cheio de verão no vazio

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  Terça, 3: Iria anotar, fui ao banheiro e esqueci. O que era? Sobre o quê? Entrei nas redes sociais e gastei um dos dias deste verão. Dormi às 23 horas sem escovar os dentes. Quinta, 5: Os mais de trinta graus, não tenho certeza, apenas desconfio, me deixaram tonto – um comprimido a mais e ainda não acertei a medicação. Sexta, 6: Contas atrasadas e mensagens de interrupção de serviço me obrigaram a caminhar até o banco e no trajeto quase caí. Na volta estava menos tonto, mas ainda com medo. O temor é cair na rua e não receber ajuda. Sábado, 7: Três comprimidos e apesar deles desequilíbrio até o início do domingo. Saí da cama para ir ao banheiro e mastigar bolachas. Vi dois ou três filmes na Netflix. Domingo, 8: Duas garrafas de tinto seco e ausência de tontura-vertigem. E ainda: macarrão instantâneo, dois álbuns do Zeca Baleiro,  Em noite de climão , da Letrux, e três comprimidos. Terça, 10: Sem equilibro para caminhar vou de táxi ao hospital. A médica recomenda aumentar a d

Quase sem querer

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  Está escuro e o fusca segue, estamos em cinco, outros dois e eu no banco de trás, e tem som, se de fita k-7 ou rádio?, canções enfim, uma após a outra, e risadas. A rodovia dá acesso à cidade onde ainda moro, e de onde vou partir em alguns anos, e é pra lá, para aquele endereço que o carro está indo.   Tem gasolina suficiente, não há obstáculos na pista e o então amigo, que nos próximos anos vai desaparecer de minha vida, consegue dirigir apesar das cervejas que bebeu – no futuro, se tivesse uma blitz, ele seria preso por embriaguez e nós, os quatro passageiros, possivelmente também iríamos para a delegacia se no caminho tivesse uma batida policial.   Mas não teve blitz.   O problema, eu não poderia prever, veio por trás.   Luzes em meio à escuridão acima do fusca. E, em seguida, estouros.   Não eram rojões, e sim tiros, disparos de armas de fogo efetuadas possivelmente por pessoas dentro de carros que, percebi apenas após a sequência de luz e som, enfim, dois ou