Enquanto

 

Sete garrafas seguem e Thomas não sabe em que mar cada uma delas está. Mais de vinte cartas já nas mãos de destinatários, centenas de e-mails lidos por interlocutores, confere e, até agora, não há resposta.

 

Para nenhum vizinho ou voyeur interpretar a movimentação dentro do apartamento como mensagem direta ou não, ao invés de fechar as cortinas, decide – enfim – usar o remédio prescrito pelo Doutor Fausto.

 

Cada comprimido contém 25 mg de cloridrato de sertralina. Thomas ingere o primeiro de uma caixa com trinta unidades – a medicação deve alterar o funcionamento do corpo, de acordo com o médico, em seis, sete dias.

 

Mas, antes de o cloridrato de sertralina atuar sobre a serotonina, e aliviar efeitos dos transtornos mentais, o composto químico vai provocar suor nas solas de seus pés.

 

Thomas sabe que tem algo errado, dois, três, quatro pontos a menos em uma escala de bem-estar de zero a dez, calcula. 

 

Por telefone, o Doutor Fausto recomenda meio comprimido por seis dias – depois Thomas deve retomar os 25 mg de cloridrato de sertralina.

 

Na cama, lençol é obstáculo, cobertor no chão, barriga pra baixo, pra cima, de lado, pra esquerda pressionando sem querer o coração de Thomas que não para.

 

O profissional de Tecnologia da Informação cumpre o expediente em home office, sente fome, e come, escuta canções, vê filmes e programas jornalísticos na televisão, anda, corre na esteira, sua, bebe água, toma banho, dias e noites passam.

 

Thomas para de suar na sola dos pés, as pernas e o corpo já não se movem continuamente quando ele está na cama, e em pé – e mesmo sentado – não tem dúvida de que o cloridrato de sertralina viabiliza leveza em seu ir e vir.

 

Não sente mais coceira na pele nem acorda durante a madrugada com formigamento em um dos braços e com a boca seca – deixou de hesitar antes de seguir para a rua.

 

O inacreditável, Thomas diz para si mesmo, é não ter vontade de refazer tudo o tempo todo nesses dias e noites.

 

No início de 2021 pode permanecer no apartamento e apenas observar os oito ou nove peixes do aquário enquanto espera resposta para uma das dezenas, talvez centenas de mensagens enviadas durante o ano em que todo abismo se ampliou.

 

Meu conto publicado na Revista Ideias em fevereiro de 2021 com ilustração do Vitor Mann.

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