Botar banca na Barão

Estou na Barão do Rio Branco, entre a XV e a Marechal, para assumir uma banca.

Tenho a chave, abro, fecho a porta e sigo pela XV. O negócio pode me viabilizar financeiramente e, sei, também posso colocar meus livros à venda.

Paro em um café, bebo um puro sem açúcar e observo. Pessoas compram e leem jornais, circulam com jornais nas mãos e embaixo do braço.

Volto a caminhar na XV, estou contente, talvez feliz, a banca é minha, mas não vou mostrar os dentes em público.

O Caetano Veloso atravessa a XV, pela Doutor Faivre, e segue em direção ao Teatro da Reitoria. Usa sobretudo ou capa branca parecida com a que o Chico Buarque veste na foto da capa do álbum Francisco, de 1987.

O Caetano vai cantar? Ou participa de um debate? Segura um jornal em uma das mãos. Se ele caminhar pela XV, e passar pela Barão, quem sabe entre na minha banca – posso oferecer meus livros a ele, por que não?

Estou na XV confuso e a confusão começou quando vi o Caetano Veloso na região da Reitoria. Os cabelos dele eram escuros, quase sem fios brancos, como na foto do álbum Caetano, de 1987.

Mas em 1987 eu ainda não tinha livro publicado.

Em 1987 pelo menos quatro jornais diários impressos circulavam na cidade, bancas vendiam jornais e revistas, e não apenas salgadinhos, doces, refrigerante e sucos.

Novamente na Barão, abro e fecho a porta e tenho a esperança de que isto aqui, a banca, seja real. Gostaria que esta situação, eu dono da banca, tivesse continuidade.

Na XV acendo um cigarro, trago, dez, dezessete passos e lembro que não fumo há mais de uma década. Pesadelos em que acendo e trago cigarro são recorrentes, mas pesadelos, apenas pesadelos.

Trabalhei em jornal e revista quando havia revista e jornal, impressos, mas essa profissão é dinossauro, datilógrafo, vendedor de enciclopédia, operador de telégrafo, leiteiro, telefonista e, enfim, aquilo que eu fazia já era: funcionário de impresso.

E em 2020, sem impressos com notícias, o que vou vender na banca?

Nem melhor ou pior do que em semanas, anos que passaram: a situação evidentemente é outra – e entre tantos fatos eu não fumo, pelo menos não quando estou acordado.

Vou, volto, sigo pela XV, tem bancas e portas comerciais fechadas, anoitece e não reconheço este local, não consigo perceber o que passa, o Caetano Veloso não apareceu mais, tenho medo que vandalizem ou incendeiem a minha banca e desconfio deste cigarro aceso em minha mão direita e também do isqueiro em minha mão esquerda.

Meu conto publicado em janeiro de 2020 em minda-au.blogspot.com e tulipasnegraseditora.blogspot.com, com ilustração do Vitor Mann.

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