Vaca de nariz sutil

 

Hoje tem Vaca de nariz sutil (Autêntica, 2017), do Campos de Carvalho:

A guerra é um dos temas desta narrativa publicada em 1961. Mas não é apenas um ou determinado conflito, e sim o combate brutal como inescapável situação talvez contínua para o ser humano.

O absurdo inevitável de estarmos continuamente na véspera, durante um conflito ou em um pós-guerra é uma das questões que o narrador trata com linguagem impecável por meio de visão de mundo esplêndida:

“PAGO A PENSÃO COM A PENSÃO QUE O ESTADO ME PAGA PELO MEU ESTADO. Não chega a ser um bom poema, mas a vida não é nenhum poema. Se eu dissesse isto ao presidente da República ele me acharia supinamente ridículo, e os seus áulicos com ele; e no entanto é a pura verdade. Mandei a frase a um jornal, subdividida em estrofes, e nem sequer me deram qualquer resposta: assim se escreve a história de um herói da última guerra, ou de qualquer guerra, ou de qualquer herói.”

A exemplo de A lua vem da Ásia (1956), Vaca de nariz sutil também trata do assunto mais importante da vida: a morte.

O narrador, inclusive, pernoita num sugestivo local: o Hotel Terminus.

E o enfrentamento do inevitável que nos espera tem momentos suprema beleza:

“A hora melhor para se vir ao jardim é qualquer hora – contanto que não se olhe para as flores. Não tenho afeição nenhuma às flores, parecem-me mesmo próprias mais para defuntos: trescalam em excesso e dão demais a ideia de nossa efemeridade. Ainda prefiro as artificiais, servem ao menos para espantar as moscas – sobretudo as magnólias.”

Outra questão relevante, e recorrente na obra do autor, o sexo tem espaço e abordagem proporcional ao talento e genialidade de Campos de Carvalho (1916-1998):

“Foi quando decidi copular por via indireta, através das fechaduras: nem a imaginação nem a falta de imaginação, os outros fazendo força e eu simplesmente no meu posto de sentinela, o eterno triângulo numa versão de pós-guerra. Às vezes, o marido ausente, eu fazia as vezes dele, tal como o cachorro da inglesa fiel, ela e não o cão, que se esgueirava pelo corredor à hora propícia e lá se ia a cumprir sua metempsicose, para grande espanto meu que nunca fui de acreditar nessas coisas.”

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