Desgracida

 

Hoje tem Desgracida (Record, 2010), do Dalton Trevisan:

A obra traz "Ministórias" e, assunto desta glosa, "Mal Traçadas Linhas", segunda parte da publicação, com 14 cartas que Dalton Trevisan escreveu, não tenho informação se de fato as enviou como elas estão apresentadas. 

Seriam ficções?

Oito são destinadas a Otto Lara Resende, com quem o remetente compartilha impactantes ideias, entre as quais:

"Escrever (seja o que for) como se escreve uma carta. O que significa – só quando tem o que dizer. E de maneira simples e clara para ser bem entendido."

Não há as respostas, mas a consideração de Trevisan pelo interlocutor é das maiores:

"Você, Otto, é o verbo coruscante do talento feito homem."

Em um texto, com data de 21 de fevereiro de 1968, o contista curitibano, dirigindo-se ao amigo, analisa Grande sertões: veredas:

"Lá vai em pleno dó de peito: o Rosa é o herdeiro de José de Alencar, epígono de novo indianismo." 

Trevisan lista e explica os motivos pelos quais avalia o romance de Rosa como uma obra menor do que ela é considerada:

"A forma é inovadora, mas o fundo é reacionário. Uma frase de efeito? Não nego a protofonia verbal do Rosa, patativa de mil gorjeios. Estilo criativo a serviço de quê? A história menos plausível na literatura de travesti."

Trevisan sugere que Diadorim é inverossímil e, para arrematar, dispara (a respeito de Guimarães Rosa):

"Ele não me engana – escreve diferente, bem que pensa convencional..."

Em seguida, pede a Otto que critique com a mesma contundência o novo livro que ele, Trevisan, está lançando – talvez Desastres do amor ou Mistérios de Curitiba, ambos de 1968, ano da correspondência.

O contista também escreve a Pedro Nava e a Rubem Braga, protesta contra a poluição sonora, em mensagem a um prefeito, e sugere a uma ex-interlocutora que deixe de divulgar, em Curitiba, que ela teria sido ponto de partida para "Capitu sou eu", conto que dá nome a um livro de Trevisan publicado em 2003:

"Desde que ela não é a Senhora, resta uma só certeza: Gustavo era Ema e Capitu sou eu."